Vieira entre a solução e o problema
A saída de Rui Vitória do Benfica era uma saída anunciada, desde aquela noite de insónia de Luís Filipe Vieira, que lhe deu tempo para pensar e mudar de opinião. No jantar da véspera, o treinador estava despedido e ao pequeno almoço do dia seguinte estava readmitido. O problema, como Vieira viria a constatar, é que nem mesmo o presidente do clube consegue mudar o destino quando ele próprio o traça. Vitória tornou-se, desde essa altura, um treinador a prazo, porque estava definitivamente fragilizado na sua autoridade e na sua capacidade de fazer convencimento das suas capacidades para pôr a equipa a jogar bom futebol, recuperando-lhe a saúde mental que manifestamente lhe faltava.
Portimão foi a gota que entornou, em definitivo, a paciência dos benfiquistas e do seu presidente e, sinceramente, até acho que acabou por ser um alívio para Rui Vitória, que sendo um homem com princípios e com sentido de dignidade humana, sofria com o prolongar de uma situação constrangedora.
Porém, perante o coro conformado pela inevitabilidade da medida tão drástica quanto previsível, há que colocar um grãozinho na engrenagem dos pensamentos feitos à medida. E a questão é esta: se Rui Vitória foi competente durante os primeiros dois anos para dar um bi-campeonato ao Benfica, como pode ter sido incompetente nos dois anos que se seguiram, mantendo (no mínimo) os mesmos conhecimentos e juntando a esses conhecimentos mais e melhor experiência?
A resposta não está obviamente na qualidade técnica do treinador, estará, isso sim, na inabilidade com que tratou a gestão humana da equipa, que se ressentiu de muitas e variadas circunstâncias, a menor das quais não terá sido o desmanchar da feira de uma estrutura que, afinal, só era aparentemente sólida na fachada.
Vitória terá, assim, sido vítima da sua impreparação para se confrontar com este tempo peculiar do Benfica. Nunca imaginou que, atacada pelas forças dos generais do Norte, a sólida e impenetrável estrutura desabasse e o deixasse, a ele e à equipa, totalmente desprotegidos e indefesos.
Para se aguentar neste vendaval em que as ondas passavam por cima do barco, o Benfica teria precisado de um comandante capaz de agarrar sozinho no leme e decidir o rumo, levando, com ele, uma tripulação crente e convicta. Rui Vitória não tem esse estilo. É mais um homem de se encarregar de uma tarefa do que de uma missão; mais um rigoroso executante técnico do que um líder capaz de navegar sem terra à vista.
Vieira procurará, agora, alguém com esse perfil de comando. Em tempos muito recentes tinha um eleito: Jorge Jesus. Neste momento, até por intuição, algo em que é verdadeiramente qualificado, percebe que corre um risco sério de ficar exposto na primeira linha de tiro de uma parte muito significativa de adeptos do clube.
Entretanto, aqueles que mais e melhor pensam a realidade do Benfica, já perceberam que o problema mais importante que o Benfica tem para resolver não é o treinador, mas o próprio Benfica. Prioritário é mudar de rumo de política e de gestão, regressar a uma ideia de competência e de honradez e, sobretudo, não se sentir atraído por repetir o estilo e a prática do FC Porto. Lisboa não é o Porto, o Benfica não é o FC Porto, Vieira está muito longe de ser Pinto da Costa, a cultura desportiva dos dois clubes é muito diferente, a expressão social dos adeptos é outra, quase nada do que resulta no Dragão alguma vez resultará na Luz. Daí que Vieira tenha de fazer regressar o Benfica à sua identidade e ser capaz de a fortalecer. Se não o fizer, então, Vieira passará a ser, ele próprio, o principal problema do Benfica.