Vieira - do pitoresco ao escândalo

OPINIÃO27.08.202206:30

Virá, por aí, um livro despejado em gotas de veneno? E será que Vieira e Bruno de Carvalho são, afinal, mais parecidos do que, antes, se pensava?

ANDA por aí a circular a notícia de que Luís Filipe Vieira vai contar parte da sua vida e dos seus segredos em livro. Não todos, calcula-se, mas alguns que podem ir do pitoresco ao escandaloso. O patrocínio e o investimento na novíssima literatura policial é do Correio da Manhã que, por isso, terá direitos de publicação total e parcial da obra que deverá estar concluída daqui por uns meses, mas que já vai dando motivo para gerar uma forte expectativa em quem adora romances da série Carolina e afins.
«Garanto-te que se estivesses no Porto, nunca terias sido detido» - terá dito Vieira que Pinto da Costa lhe disse. É daquelas coisas que se admitem, sem custo, ser verdade, mas que em qualquer momento pode ser desmentida. Seria a palavra de um presidente com meio século de palco e de encenações teatrais contra um ex-presidente que tem saudades desse palco, de onde caiu sem a glória esperada.

É verdade que num país, de facto, preocupado com a credibilidade da Justiça, o caso poderia e deveria ser investigado. Poderia ter o FC Porto, o seu presidente e toda a sua estrutura coriácea, o privilégio de uma justiça especial, feita à medida das suas conveniências  e particularmente condescendente? E, nesse caso, quem se envolveria em tamanha trapaça? A polícia? Investigadores? Agentes judiciários? Tribunais de alta instância? Não cremos. Seria de tal forma escandaloso e inaceitável numa democracia euro-ocidental, que nunca seria consentido.

Permanece, porém, a dúvida. A não ser verdade, porque razão Vieira viria mentir de livre e espontânea vontade, caso seja credível, e não um monstruoso embuste, o que já veio a público para promoção do anunciado livro?
Pode sempre correr-se a pista do dinheiro, mas não acredito que possa ser essa a motivação principal de uma aliança estapafúrdia.
 

Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica

PELOS primeiros acordes da música se encontram inevitáveis semelhanças entre a sinfonia que marcou o fim da era Vieira e a peça operática do fim da era Bruno de Carvalho. De facto, ambos parecem sentir imensas saudades de um povo generoso e ingénuo que idolatra ídolos de pés de barro e ambos, apesar das evidências do desastre sofrido, continuam a acreditar em fitas que celebram o regresso dos heróis ou a vingança dos injustiçados.
Bruno e Vieira experimentaram o gosto da fama e, pior do que isso, o sabor amargo daquilo que consideram a injustiça do rápido esquecimento e a ingratidão.
Existem, por isso, semelhanças óbvias, apesar das diferenças claras de personalidade. Mas, no fundo, são dois homens que tiveram o seu inesperado tempo de fama e que tudo farão para o recuperar.

O livro, que será certamente antecipado em cuidadosas gotas de veneno, terá tudo para se ir tornando no centro das atenções da populaça e na mais forte inspiração de novas, robustas e alarves audiências.
A alguns, será o que mais intriga, mas a verdade é que o Chiado não mudou muito desde o tempo do Eça e continua a viver, juntamente com outras elites urbanas, uma realidade fantasiosa de um país que não existe e de um povo que gostaria de inventar como lúcido, inspirador, culto.
O Carlos Pinhão - homem e jornalista que nunca irei esquecer - dizia-me que um jornalista precisa, por vezes, de arrumar o automóvel e de andar em transportes públicos para não tirar os pés do chão e não começar a escrever para um povo meramente inventado. Podemos aspirar a que seja diferente, mas a realidade é uma chatice.
 

A SORTE DE QUEM AMA O FUTEBOL

Perguntam-me, regularmente, quem terá tido mais sorte com o sorteio e eu respondo sempre da mesma maneira: os adeptos portugueses de futebol, aqueles que verdadeiramente amam o jogo. De facto, não encontro maior privilégio para um português que goste mesmo de futebol do que poder ver, ao vivo, num grande estádio, jogos com equipas como o PSG, a Juventus, o Tottenham, o Atlético de Madrid, o Marselha, enfim, jogos que garantem espetáculos que de outra forma nunca seriam vistos em Portugal.
 

ONDE O INVERNO PASSA AS FÉRIAS

Há quem passe férias além do Tejo (a maioria), eu passo bucolicamente férias além de Sintra. É num lugar que o António Lobo Antunes descrevia magistralmente como sendo uma praia onde as toalhas servem para nos agasalhar do frio do vento norte. Tem sido assim. Há uma semana que não vejo o sol, nem a lua. O inverno vem aqui passar as férias de agosto e não há muito a fazer, se não resignarmo-nos com isso. É ótimo para pensarmos na vida, para lermos os mais recentes filósofos, mas não aconselho a quem goste de banhos de mar.