Verde carregado
Campeão parece mais forte com Slimani e Edwards, FC Porto perde melhor jogador em negócio volumoso mas arriscado. E se corre mal?
DIAS de afirmação para o leão, tempo de dúvidas para o FC Porto apesar da vantagem confortável no campeonato (diferença de nove pontos, que hoje pode ficar reduzida a seis). A venda de Luis Díaz ao Liverpool, melhor jogador da equipa e do campeonato - enfim, o homem que desequilibrava jogos para o líder -, causou irritação a Sérgio Conceição - que se permitiu criticar publicamente a administração do clube em termos pouco usuais … - e à massa de adeptos azul e branca, quiçá perturbada com os indícios relativos a certos negócios, transferências e comissões que têm vindo a público nos últimos tempos. Talvez a nação portista tenha atingido, ao fim de tantos anos, o limite da tolerância para com um certo modo de fazer as coisas. É claro que a SAD do FC Porto tentou deitar água na fervura com as contratações de Galeno (custou quase um terço do encaixe que a SAD fez com Díaz…) e Rúben Semedo no fecho do mercado. Semedo faz todo o sentido e até tenho a convicção de que não demorará a impor-se, mas a ideia que fica é que o FC Porto, depois de perder o mágico colombiano (além de Sérgio Oliveira e Corona), não fica mais forte para o que falta da época. O negócio de Díaz veio confirmar o estado crítico das finanças portistas (só assim se explica a venda do melhor jogador a meio da época, com tudo por decidir…) e, mesmo aceitando que nenhum clube português responsável (quer dizer: aflito) pode recusar uma oferta de 45 milhões, é um facto que este negócio em particular comporta riscos significativos para quem o autorizou. E se começa a correr mal a Sérgio Conceição?
No polo inverso surge o Sporting que, depois de submeter o Benfica na final da Taça da Liga com nova manifestação de marcante superioridade, consegue reforçar significativamente o seu poder de fogo com as contratações de Slimani - um verdadeiro homem de área, um predador, coisa que o campeão não tinha - e Marcus Edwards, o tal extremo que Rúben Amorim pedia insistentemente há uns tempos. Não é por isso que o leão passa a ser o candidato n.º 1 ao título (o FC Porto continua mais bem posicionado, lançado numa impressionante série de 15 vitórias consecutivas), mas não há dúvida de que, no papel, o Sporting parece ter ficado mais forte e com opções de maior qualidade para atacar a fase decisiva da temporada. Ademais, manteve o seu núcleo duro intacto, ainda que perdendo Tiago Tomás (Estugarda) e Jovane Cabral (Lazio) para ligas mais competitivas. A intervenção da SAD leonina neste mercado de janeiro está na linha do acréscimo de agressividade que se nota na equipa de futebol. O Sporting ganhou o último campeonato sobretudo com exibições de resiliência e consistência defensiva, mas hoje é uma equipa substancialmente diferente: mandona, autoritária, de futebol impositivo, que vai para os jogos com a firme intenção de os dominar. É «melhor equipa», como diz Amorim. A SAD acompanha o raciocínio e preenche lacuna importante (um homem de área de créditos firmados, ainda por cima da casa) depois de a equipa perder dois jogos de forma inesperada e revelar preocupantes carências de finalização.
Aguardemos os efeitos do mercado. É preciso esperar para ver o que pesam daqui para a frente Rúben Semedo, Galeno e Eustaquio no FC Porto; e Slimani e Marcus Edwards no Sporting. No final da época faremos contas, não esquecendo que o jogo do título vem aí (FCP-SCP, dia 11) e que a primeira mão da final antecipada da Taça também não está longe (SCP-FCP, dia 2 março).
Rúben Amorim está satisfeito com reforços
GANHAR É O LEMA
FREDERICO VARANDAS foi eleito a 9 setembro de 2018 e ganhou dois títulos logo na época de estreia com Marcel Keizer no banco: a Taça da Liga em janeiro de 2019 e a Taça de Portugal em maio do mesmo ano, ambas à custa do FC Porto de Sérgio Conceição em finais decididas no desempate por penáltis. A que se seguiram, já com Rúben Amorim, mais duas taças da Liga e o ansiado título de campeão, além de uma Supertaça e o regresso à Champions coroado com passagem aos oitavos de final, o que só tinha acontecido uma vez. Ou seja, decorridos pouco mais de três anos sobre a investidura, Varandas apresenta cinco títulos (e uma Supertaça) no currículo, contra dois do FC Porto (mais duas Supertaças), dois do Braga e um do Benfica (mais uma Supertaça), o célebre campeonato de Lage. Eis como um clube que parecia destruído no pós-ataque à Academia se reergueu rapidamente dos escombros e passou a ganhar com uma frequência que não se lhe via há décadas…
NADAL, NEGACIONISTA DO IMPOSSÍVEL
Oúltimo domingo valeu pela extraordinária reviravolta operada por Rafael Nadal na final do Open da Austrália diante do russo Daniil Medvedev, em mais uma fabulosa demonstração de força mental, carácter, resiliência e combatividade daquele que é agora o recordista de Grand Slams, um degrau acima de Federer e Djokovic. Passei boa parte da manhã de segunda feira a ler a Imprensa espanhola, completamente rendida à proeza do touro (sim, ele é um touro) de Manacor. Num país com tantas figuras desportivas de relevância mundial (Pep Guardiola, Pau Gasol, Marc Márquez, Miguel Indurain, Fernando Alonso, Severiano Ballesteros, Xavi Hernández e Andres Iniesta, David Cal…), Nadal é unanimemente (ou quase) considerado o maior, pela dimensão e relevância da sua carreira num desporto tão mediático como o ténis.
No caso de Nadal, não é só a quantidade de títulos que ganhou (90, 21 Grand Slams); é mais a forma como ganhou muitos deles que o torna imortal. Como dizia a manchete da Marca, na segunda feira: «Quando te digam que algo é impossível, pensa em Rafa.»
Realmente, só um atleta com mentalidade de aço e uma crença quase sobrenatural nas próprias possibilidades explica o milagre de Melbourne. Constantemente atormentado por lesões e vindo de uma longa paragem, o campeoníssimo Rafa, aos 35 anos, aguentou quase cinco horas e meia de luta titânica com um rival dez anos mais novo que impressiona pela exuberância física e potência dos golpes. Negacionista do impossível, Nadal recuperou de uma desvantagem de dois sets (!) e de um último jogo incrivelmente falhado (esteve a dois serviços do título e desperdiçou-os…) para ganhar no estilo de sempre, entre tiques irritantes, gemidos cavernosos e esquerdas marteladas com precisão assassina. Prevaleceu a fúria do touro enraivecido que habita o corpo de Rafa e que mereceu de Roger Federer o elogio mais belo e sentido que me lembro de ouvir entre grandes rivais.
Como Cristiano em Portugal, Rafa não tem rival na história do desporto espanhol. Está acima, noutra dimensão, é de outro campeonato. O campeonato dos 21 Slams e dos 90 títulos ATP; assim como Ronaldo é do campeonato dos 800 golos, das cinco Champions e das cinco Bolas de Ouro. Engraçado que os maiores desportistas Ibéricos de sempre sejam amigos e contemporâneos (Rafa, 35; Cristiano, 36), partilhem características semelhantes (mentalidade de aço, determinação, combatividade extrema, persistência…) e sejam ambos ilhéus: Nadal nasceu na mediterrânica Maiorca, Cristiano na atlântica Madeira.
Gozemo-los enquanto podemos: agora. Havemos de nos lembrar muito deles.