Ver a história sem palas
Na questão dos títulos importante seria que se pusesse de lado a cultura de clube. Mas parece impossível num país como Portugal
SERÁ, porventura, difícil pensar nisso no meio do barulho provocado pelas entradas e saídas (ou quase entradas e quase saídas que não se confirmam ou demoram a confirmar-se consoante se aos clubes compradores ou vendedores interessa mais que sejam oficializadas até 30 de junho ou depois de 1 de julho...) que sempre ofuscam quase tudo o resto nesta fase da temporada, mas esta será uma semana importante para o futebol português, que pode ver a sua história reescrita por uma Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol que promete, seja qual for a decisão que dela saia, dar muito que falar.
Em cima da mesa estavam, no primeiro momento, dois pareceres. O primeiro, se aprovado, promoverá uma verdadeira revolução na história dos campeões nacionais, acrescentando à lista nomes como Carcavelinhos ou Marítimo, dando mais três títulos ao Belenenses e deixando o FC Porto um degrau mais próximo de apanhar o Benfica e um degrau mais afastado do Sporting - clube de que partiu, recorde-se, a iniciativa de rever os títulos. O segundo é mais conservador, deixando tudo na mesma no que à história dos campeonatos diz respeito e promovendo apenas uma ligeira alteração na lista de vencedores da Taça de Portugal. Entretanto foi aprovada à discussão a proposta original apresentada pelos leões, que pretendem sair desta discussão com mais quatro títulos de campeões do que os que têm hoje - nos dois primeiros sairiam, no melhor dos cenários, com mais dois. E há, ainda, a possibilidade de nenhum destes três pareceres ser aprovado pelos delegados da AG da FPF e tudo ficar na mesma.
São, portanto, quatro os cenários em cima da mesa. Todos eles defensáveis, dependendo da forma como cada um olhar para aquilo que foram, de facto, os primórdios da história do futebol português, entre as épocas 1921/1922 e 1937/1938. O que seria realmente importante é que o lado de cada um que quiser pensar a sério (mesmo a sério...) no assunto não fosse influenciado pelas cores dos clubes que se defende, o que, infelizmente, não parece possível num país em que a cultura de clube ultrapassa, em muito, aquilo que é a cultura desportiva. Além disso, o facto de a decisão ser tomada numa Assembleia Geral composta por sócios e delegados da FPF - entre eles associações de futebol (sempre à mercê de pressões dos seus clubes mais representativos) e a própria Liga Portugal (representada na AG por clubes com interesses na decisão final) - também não ajudará a que a decisão seja encarada como consensual pelos que mais perderem com a decisão que sair da reunião de quarta-feira. É pena, mas é e continuará a ser o futebol que temos e que, se calhar, merecemos: aconteça o que acontecer, vai de certeza dar pano para mangas - na maior parte das vezes cosidas com as linhas (leia-se argumentos) erradas...
Mesmo que ninguém me tenha perguntado, atrevo-me - porque acho que todos os que gostam realmente de futebol devem, efetivamente, ter uma opinião sobre um assunto tão importante como a sua história - a expressar aquele que é, para mim, o parecer que faz mais sentido: o primeiro - serão campeões nacionais todos aqueles que ganharam o Campeonato Nacional entre 1921/1922 e 1933/1934, passando os vencedores dessa prova entre 1934/1935 e 1937/1938 considerados vencedores da Taça de Portugal, por já haver, nessas quatro temporadas, uma prova disputada em regime de campeonato e que até se deu o nome de liga. Porquê? Porque considero que enquanto só houve uma competição em Portugal - ainda por cima uma que até se chamou Campeonato de Portugal e que envolvia clubes de todo o País -, essa competição só podia, mesmo, apurar o campeão de Portugal, qualquer que fosse o seu formato. É justo, portanto, que quem a venceu seja campeão nacional. A partir do momento em que foi criada uma Liga, as coisas mudam de figura e uma prova a eliminar seria, como é hoje, a Taça de Portugal. Simples. Seja quem for o maior beneficiado.