Variações sobre a velha história da lebre e da tartaruga
O velho Esopo, que morreu no distante ano de 564 a.C., sabia bem do que falava quando descreveu o modo, e porquê, de numa corrida uma tartaruga vencer uma lebre
N O início da época - bem sabemos que é uma época estranha, na qual o Covid atacou Jorge Jesus e o Benfica e mais ninguém -, no início da época, dizia, o Sporting estava abaixo de cão. Tinha acabado num triste quarto lugar uma época não menos estranha - em que o Covid tinha atacado nove ou 10 dos jogadores de Jorge Jesus no Flamengo, no Brasil, mas em Portugal interrompera o campeonato; tinha um treinador que nem o curso de treinador tinha e um conjunto de incompetentes a mandar no clube, depois da magnífica prestação do presidente anterior, misteriosamente demitido por três quartos dos sócios.
No primeiro jogo que se pode considerar a sério desta época, o Sporting, privado de alguns jogadores e do treinador (que apanhou Covid, o que se pensava ser exclusivo de Jorge Jesus), enfardou - é o termo feio, mas exato - 4-1 de um clube austríaco por quem poucos davam alguma coisa - o LASK Linz. E pronto, lá estava o Sporting do costume, a quem se tinha dado algum benefício da dúvida no final atribulado da época passada. Para mais, não pagava o tal treinador ao Braga, uma exorbitância de 10 milhões de euros. Foi a época em que benfiquistas (Leonor Pinhão foi uma, salvo erro) consideraram que os três grandes tinham passado a ser o Benfica, o Porto e o Braga.
O Sporting começou por não jogar na primeira jornada porque o Covid atacara, afinal, outras equipas que não somente as de Jorge Jesus e a de Alvalade; aquela com que era suposto jogar, o Gil Vicente, sofreu do mesmo mal. Esse jogo foi agendado para depois e foi ganho pelos leões, mas já no final do jogo, tendo estado a perder até aos 82 minutos e marcando, depois, três golos até ao fim. A seguir derrotou o Paços de Ferreira, lá no Norte, e o Portimonense, lá no Sul. De referir que o Paços, depois do início atribulado, está hoje em quinto lugar a um ponto do Benfica (e a 16 do Sporting).
O encosto do Benfica
S EGUIU-SE o jogo com o Porto. Empate a dois, com manifesta infeliz arbitragem. É quando o Benfica, beneficiando desse empate (e de uma inexplicável anterior derrota do Porto, em casa, frente ao Marítimo) se isola em primeiro lugar, só com vitórias. A ideia de que tinha chegado para esmagar, jogar o triplo, vencer tudo, parecia poder concretizar-se. Estávamos na 4ª jornada. Na seguinte, o Benfica manteve-se invencível, derrotando o Belenenses, mas depois perde no Bessa - e por 3-0. Foi então que a tartaruga passou a lebre: o Sporting fica isolado, por um ponto, à frente, e aí se manteve até hoje; na verdade, até daqui a três jornadas, mesmo que perca os três jogos seguintes. O fosso de um ponto para o Benfica multiplicou-se por 15; mas para o Porto, que na altura ia a seis pontos do Sporting, aumentou apenas quatro; está, antes do jogo deste sábado, a 10 de distância. Ou seja, a lebre benfiquista encostou-se totalmente e deixou fugir a tartaruga. Mas o Porto nem tanto, demorou a arrancar e tropeçou algumas vezes; tem o Benfica a cinco pontos de distância e quem lhe faz sombra é o Braga, com apenas menos um ponto. O Braga é, aliás, outro caso: perdeu as duas primeiras jornadas (uma contra o Porto e outra contra o Santa Clara), quando todos apontavam a equipa como uma excelente formação, capaz de ombrear com os grandes. Mesmo assim, e ainda que perdendo com o Sporting em Alvalade, além de outros tropeços, vai claramente destacado do Benfica, que relegou para quarto lugar.
Pelo contrário, no seu papel de tartaruga, com mais ou menos sorte, o Sporting manteve-se à frente. Cada vez mais, mercê das suas vitórias e das derrotas dos outros. Em casa, cedeu outro empate, contra o Rio Ave (1-1), jogo em que teve bastante azar. Fora, só empatou uma vez - com o Famalicão, por 2-2, num jogo em que estando a jogar com 10 (expulsão de Pedro Gonçalves) conseguiu marcar o 2-3 já nos descontos, validado pelo árbitro, mas inexplicavelmente (para mim) anulado pelo VAR.
De resto, em 20 jogos soma 17 vitórias e três empates. Nunca perdeu, mas nunca esmagou (salvo quatro golos contra o Tondela e outros tantos contra o Guimarães). Foi sempre como a tartaruga, um falso lento, de vitórias a 2-0 e a 2-1, que valem os mesmos pontos do que as de goleada. Ainda assim, tem o segundo melhor ataque do campeonato (menos três golos do que o Porto, mais cinco do que o Braga e mais nove do que o Benfica) e, de longe, a melhor defesa: menos sete golos sofridos do que o Benfica; menos 10 do que o Braga e menos 12 do que o Porto. A diferença entre golos marcados e sofridos é, igualmente, a melhor.
O falso lento
O Sporting, a jogar, seja essa a tática preferida de Rúben ou não, dá, do mesmo modo, a ideia de um falso lento. A bola é trocada entre três defesas (que costumavam ser Coates, Feddal e Neto, mas onde Gonçalo Inácio parece ter ganho o lugar de Neto); vai aos médios, sejam eles Palhinha ou João Mário, volta atrás e, de repente é colocada, ou num extremo - e tanto Nuno Mendes como Pedro Porro cansam só de vê-los correr - ou, mais à frente, em Nuno Santos (que deveria poder ser velocista), Tiago Tomás, o que nunca se cansa, ou Pedro Gonçalves, o mais habilidoso. Se o guarda-redes Adán já dispensa adjetivos (deu uns belos pontos ao Sporting) e se a defesa, no seu conjunto, é a menos batida, o ataque, mesmo com a ausência de Paulinho, cuja arte ainda não mostrou, é muito empreendedor, graças não só ao talento de João Mário e de Palhinha, como à precisão de Coates e Gonçalo Inácio (sobretudo). Naturalmente, penso que temos equipa para ganhar no Dragão ou pelo menos não perder, mas, aconteça o que acontecer (desde que não seja roubos de catedral que já vimos algumas vezes), o Sporting, mantendo a fábula de Esopo, agora que tem o lugar da lebre, com a distância que marcou à frente, tem de continuar a agir como a tartaruga: com perseverança e encarando cada passo como decisivo. Ainda falta muito, 14 jogos são 42 pontos; é natural que ninguém os ganhe todos, mas para o Sporting trata-se de não perder mais do que quatro ou cinco em relação aos adversários, para ter um final de época descansado… e campeão.
Europa
A vitória do Porto sobre a Juventus, na semana passada, não assegura nada. Mas, ainda que não passe a eliminatória, é uma vitória do Porto sobre a Juventus e mais pontos para Portugal. O mesmo não se pode dizer do Benfica, que teve a desvantagem de não jogar em casa, tendo a vantagem de amanhã não jogar fora. O empate a uma bola é sempre um resultado ingrato. Mas é possível vencer contra um Arsenal que tem tantos altos e baixos como os encarnados. Destino traçado parece ter o Braga: depois de perder 0-2 em casa, vai a Roma e fará bem em ir ver o Papa… sempre ganha qualquer coisa com a viagem.
Penáltis (1)
O diário Público, com base nas análises do ex-árbitro e comentador Pedro Henriques, analisa se o Benfica tem razão de queixa quanto a penáltis. Não tem. É verdade que ficaram cinco por assinalar a seu favor, mas ao Porto ficaram outros cinco e ao Sporting, seis. Já contra, ficaram três por marcar… mais sorte do que o Sporting e o Porto, aos quais ficou um, cada um. De registar que o único penálti marcado contra o Sporting terá sido mal ajuizado.
Penáltis (2)
Não tenho competência (nem apetência) para discutir se o penálti sobre o jovem Conceição, no jogo do Porto contra o Marítimo, foi bem ou mal assinalado. Mas julgo ter a sensatez necessária para pedir aos juízes das partidas que se entendam. Ou passam a ser todos ou deixam de ser todos. Como está é uma roleta… e temo que viciada.