Vamos lá falar de arbitragem
Os árbitros devem deixar jogar, mas não podem demitir-se de assinalar faltas evidentes e, arrogantemente, mandarem levantar o jogador caído. Ficam mal no filme...
Falar de arbitragem quando estamos a três (escaldantes) jornadas do fim de um campeonato extremamente disputado, pode parecer falta de prudência, mas o tom será pedagógico, e não terá a ver, prometo, com contas, sempre subjetivas e questionáveis - ou não fosse o futebol uma modalidade onde os «ses» não têm lugar - a débitos/créditos de Benfica ou Sporting ao longo da prova.
Numa altura em que a estrutura da Federação Portuguesa de Futebol tem na presidência da Direção o árbitro português que chegou mais longe internacionalmente, numa das vice-presidências o responsável pela arbitragem nos últimos anos, e ainda como Presidente do Conselho de Arbitragem o anterior líder da APAF, não será, por certo, por falta de experiência ou aconselhamento que as coisas correrão mal. Será normal, porque isso já sucedeu em outros casos, que Luciano Gonçalves, que passou de presidente do Sindicato dos Árbitros a responsável pela arbitragem (funções que não têm nada a ver uma com a outra, porque a primeira deve ser, por natureza, parcial relativamente aos árbitros, enquanto que à segunda se exige um comportamento que privilegie o futebol e não trema na hora de chamar à pedra os árbitros), precise de algum tempo até se sentir confortável nas suas novas funções.
Dito tudo isto, passemos ao tema desta crónica, virada essencialmente para os árbitros menos experientes, a quem é dito, e bem, que devem procurar deixar jogar, de modo a que o espetáculo flua e o tempo útil seja cada vez maior. É uma preocupação legítima, em linha com as melhores práticas internacionais, que enferma, entre nós, demasiadas vezes, de um mal que urge minimizar (será impossível, creio, erradicá-lo...): no afã de deixarem jogar, a páginas tantas os árbitros (como disse, especialmente os menos experientes, embora não lhes caiba a exclusividade) não são capazes de distinguir o que é falta do que não é, e cometem erros de avaliação muitas vezes grosseiros porque estão quase exclusivamente focados em deixar seguir o jogo. É aqui que tem de haver uma intervenção pedagógica, por parte de quem arbitrou sem VAR, e tinha de estar sempre atento a todos os aspetos do jogo, no sentido de exigir-lhes melhor critério na avaliação dos lances, ao contrário do que está a suceder demasiadas vezes, em que metem tudo no mesmo saco, usando o gesto, arrogante e pedante, que apenas mostra insegurança, de mandarem, com sobranceria, levantar o jogador que reclama falta. É que ficam muito mal no filme quando, segundos depois, as repetições televisivas mostram infrações públicas e notórias, que deveriam ter sido punidas. A ideia que tenho é que o VAR – que reduziu tremendamente os erros de arbitragem no futebol, e ainda há de ser melhor, assim evolua a tecnologia e quem maneja a ferramenta - está a criar uma geração de árbitros pouco atentos ao jogo (e também, em muitos casos, pouco conhecedores da essência do futebol, jogo de contacto), pelo facto de, apesar de estarem no arame, saberem que têm por baixo uma rede que não os deixa estatelarem-se no solo.
Leio sempre com prazer os artigos do caro José Delgado. Sóbrios, sem clubismos e diretos relativamente aquilo em que o futebol pode melhorar. Infelizmente é dos poucos cujo artigo de opinião vale a pena ler.