Uma questão de realismo

OPINIÃO23.09.201801:39

Rui Vitória tornou-se num alvo fácil. Seja porque adeptos e comentadores o consideram como grande culpado pelo Benfica ter perdido, na última época, a oportunidade de conquistar o tão sonhado penta - foi um dos responsáveis, sim, mas é discutível que tenha sido o principal e de certeza que não foi o único - ou porque, mesmo sendo bicampeão nos dois primeiros anos na Luz, nunca caiu no goto de uma boa franja dos benfiquistas, o treinador do Benfica está sempre no olho do furacão. Estando o Benfica na liderança do campeonato e tendo, num mês de enorme desgaste e, admita-se, com algum brilhantismo até, garantido a passagem à fase de grupos (e aos mais de 40 milhões de euros) da Liga dos Campeões, aproveitaram os sempre prontos críticos do treinador encarnado a derrota com o Bayern para voltarem ao ataque.


Que fique claro que Vitória não está - como não está nenhum treinador - imune às críticas. Pode-se, falando em concreto do jogo com os alemães, discutir se enfrentar o Bayern querendo jogar no campo todo é a estratégia correta; ou questionar as substituições de Salvio e Pizzi quando se percebia serem eles dois os únicos capazes de criar alguns problemas ao adversário; ou, até, o facto de ter mantido, teimoso, o 4x3x3 quando já perdia por 0-2 e o jogo pedia à águia maior poder ofensivo. Tudo isso é, sejamos claros, válido. Já menos compreensível é que se aponte o dedo ao treinador, aproveitando estes (ou apenas alguns destes argumentos), como responsável pela derrota - a primeira, convém frisar, do Benfica em 2018/2019. Como se não fosse natural os encarnados perderem, mesmo em casa, com o Bayern. Como se o gigante alemão fosse uma equipa qualquer. Não é. E todos sabemos que não é.


O Benfica perdeu e perdeu bem. Basicamente porque o Bayern não é só melhor equipa, é MUITO melhor equipa. E em dez jogos contra o Benfica (ou contra qualquer outra equipa portuguesa) ganhará, no mínimo, nove. Seja essa equipa orientada por Jorge Jesus, José Mourinho, André Villas Boas ou Rui Vitória. Não é, percebe-se, um problema do treinador, é apenas o reflexo das enormes (e cada vez maiores…) diferenças entre o futebol português e os principais campeonatos do mundo. As coisas são como são e nem vale a pena procurar responsáveis para elas. Só temos, afinal, de ser realistas. E percebermos que a tendência não é melhorar. Pelo contrário…

O campeonato português, no relvado, parou três semanas. Mas aquele que se joga nos gabinetes não teve direito a descanso. Depois do campeonato das queixinhas e do campeonato dos twitters e demais redes sociais, chegou a vez do campeonato o teu clube está envolvido em mais processos judiciais que o meu. Regozijam-se portistas e sportinguistas pelos processos que envolvem o Benfica - neste capítulo os encarnados vão, convenhamos, bem destacados na frente, com emails, e-toupeira, operação lex, mala ciao ou saco azul), exultam benfiquistas e portistas com o processo cashball que, embora aparentemente na gaveta, de lá sairá em breve para colocar o Sporting nas bocas do mundo, animam-se benfiquistas e sportinguistas (em especial os primeiros) com as agora noticiadas suspeitas da Polícia Judiciária de que o FC Porto terá pago ao hacker para ter acesso à correspondência privada de alguns elementos da SAD encarnada. Há, no meio de toda esta poeira que atira para segundo plano o jogo jogado, casos (bem) mais graves do que outros, ninguém tem grandes dúvidas disso. Haverá, ou pelo menos parece neste momento impossível não haver, uns mais culpados do que outros. O que não quer dizer que todos os outros sejam inocentes. Porque santos nunca se deram, infelizmente, muito bem no futebol português. É assim há anos. E se este lamaçal para que fomos arrastados no último ano servir para mudar isso... então já terá servido para alguma coisa. Que não fique tudo na mesma é o mínimo que podemos pedir.
Certo é que no fim de tudo isto - e é difícil perceber quando acabará... - nenhum dos três grandes clubes portugueses ficará bem na fotografia. Porque são eles três os principais responsáveis pelo enorme borrão que há muito estraga a imagem do futebol português.