Uma questão de perspetiva
A discussão era inevitável. Garantida a retoma das competições, o mais importante quando a pandemia deixava dúvidas sobre se isso seria sequer possível, a indústria do futebol começa a pressionar para que seja dado o próximo passo: a presença de público nas bancadas. Podemos, é evidente, discutir se se trata de uma reivindicação legítima, em especial se tivermos em conta que o futebol profissional português beneficiou, no início de junho, da boa vontade de um governo alvo de críticas por ter permitido o retorno de uma atividade para muitos não essencial, mantendo encerradas (e em extremas dificuldades) muitas outras. Da mesma forma que podemos também discutir se vale a pena falar da abertura das portas dos estádios, mesmo que de forma limitada, numa altura em que há tantos outros espetáculos, dependentes da presença de grandes multidões, sem poderem voltar ao ativo. Será, porventura, e olhando para os que tantas dificuldades atravessam por estarem impedidos de exercer a sua atividade, sinal de algum egoísmo que clubes e Liga venham, já, falar da importância de ter adeptos nas bancadas. Em especial por percebermos, todos, tratar-se mais de uma necessidade financeira do que de uma necessidade de facto. E quem, neste momento, não tem nada vai, é inevitável, olhar de lado para quem, tendo já alguma coisa, reivindica mais umas migalhas.
Convém, ainda assim, dizer que houve quem, pelo caminho, facilitasse e abrisse as portas à discussão que agora por cá se instalou. Permitir espetáculos em salas ou pavilhões, mesmo que com lotação limitada, ou dar o OK, seja sob que justificação for, a um evento político que poderá juntar num recinto, por mais amplo que seja, 33 mil pessoas num dia é, de facto, pedir que todos possam reclamar maior abertura nas limitações que lhes são impostas. Não só o futebol, é verdade, mas também o futebol. Afinal de contas, se é permitido que um partido político junte 33 mil pessoas por dia num recinto ao ar livre que terá, claro, entradas e saídas localizadas, porque não podem os clubes abrir os seus estádios a uns milhares de adeptos? Qual é a justificação para esta discriminação, se por trás de ambas estão, sejamos claros, questões financeiras? Não sejamos hipócritas. Ninguém deixa de ser benfiquista, portista ou sportinguista por não poder ver ao vivo os jogos da sua equipa, da mesma forma que ninguém deixa de pertencer a um partido político por não poder, por um ano, ir assistir a uns concertos ou ouvir, ao vivo, o discurso de um líder. E não me venham com a questão dos abraços entre adeptos nas celebrações dos golos. Já assisti a jogos e concertos para saber que um festival será, a todos os níveis, bem mais perigoso para a propagação do vírus do que uma partida de futebol! Em suma: não peço, e ninguém devia pedir, que as autoridades de saúde cedam à pressão e permitam, já, a presença do público nos jogos de futebol. Em especial numa altura em que, como se vai percebendo pelas informações que nos vão chegando - de cá e do estrangeiro -, a pandemia está longe de poder ser considerada controlada. Mas podemos (devemos até), todos, pedir que não se abram, neste capítulo, exceções. O assunto é, a nível de saúde, demasiado sério para isso. E, pior, há demasiada gente em dificuldades financeiras para lidar com o tema de forma tão leviana. Ou se abre para todos ou não se abre para ninguém. Façam o barulho que fizerem.
LEIPZIG e Lyon estão nas meias da Champions. Uma forma de ver a coisa é dizer que a presença do Benfica na Champions não foi, afinal, um desastre assim tão grande. A outra é olhar e perceber que, se tivesse levado a coisa mais a sério, podia ser, talvez, o Benfica a estar onde estão agora Leipzig e Lyon. São duas perspetivas diferentes. E uma, claro, não invalida a outra...