Uma família inglesa
BOXING DAY. O dia (hoje) em que as famílias de Inglaterra acorrem em massa aos estádios num ambiente ainda mais febril do que o normal. Se houver um dia do futebol em Inglaterra (para além da final da Taça de Inglaterra em Wembley) é este. Para nós, jornalistas, o boxing day e os dias que se seguem sempre foram uma boa safa para a míngua de competição (e assunto) da quadra natalícia. Felizmente, há sempre o campeonato inglês em regime non-stop para encher páginas de jornal e transmissões televisivas. Hoje temos vários jogos interessantes em estádios completamente cheios. Estarei de olho no Liverpool-Newcastle, obviamente, porque o Liverpool é a minha paixão futebolística e além disso lidera a Premier com autoridade (os reds formam com a Juventus e o Qatar-PSG o trio de equipas que ainda não perderam jogos de campeonato); também me interessam os resultados do Leicester-Abu Dhabi-City e do Tottenham-Bournemouth, já que as equipas de Pep Guardiola e Mauricio Pocchetino são as maiores ameaças ao objetivo mor do esfusiante Jurgen Klopp: terminar o ridículo jejum do Liverpool, que não é campeão inglês há 28 anos (!!!), apesar de, pelo meio, ter ganho quatro títulos europeus e perdido mais uma mão cheia de finais. Falei disso na reunião de Natal com os meus irmãos e os meus sobrinhos, que herdaram o gosto da nossa família pelo futebol inglês em boa hora incutido pelo nosso saudoso Pai.
Em termos futebolísticos somos uma família inglesa. Adoramos o espírito do futebol inglês, a energia e lealdade com que competem, o ambiente único nos estádios, a paixão sem igual dos adeptos e o facto de eles não permitirem a existência de sistemas e outras chico espertices tão comuns noutros futebóis. Um dos meus sobrinhos, Vasco, está a fazer o Erasmus em Birmingham. Contou-me dos jogos que tem visto naquela cidade, a começar pelo recente (28 novembro) e fabuloso empate a cinco - sim: 5-5 ! - entre o Aston Villa e o Nottingham Forest, para o Championship (a 2.ª divisão deles). Um épico que teve a contribuição de dois portugueses (João Carvalho marcou para o Forest e o colega de equipa Tobias Figueiredo foi expulso a meia hora do fim) e um poker do villain Tammy Abraham. «Tio, o jogo foi numa quarta à noite e o Forest levou mais de cinco mil adeptos ao Villa Park! [entre os 32,862 que assistiram ao jogo]», disse o Vasco, entusiasmado com a energia dos cânticos e das palmas ritmadas daquela gente. Eu acrescentei que não é todos os dias que se vê dois antigos campeões europeus (Nottingham Forest em 1979 e 1980; Aston Villa em 1982) empatarem 5-5 num jogo da segunda divisão inglesa. O Vasco, com um grupo de estudantes portugueses, também assistiu, graças à simpatia de Diogo Jota (que lhes disponibilizou vários bilhetes) à estupenda vitória do Wolverhampton sobre o Chelsea (2-1) para a Premier. O pai dele (meu irmão Vasco) seguiu ontem para Londres para estar com a filha Filipa que vive lá há mais de dez anos. Disse-me que ia tentar ir (hoje) ao Tottenham-Bournemouth, ele que viu em Stamford Bridge muitos jogos do inesquecível primeiro Chelsea de Mourinho (Drogba, Lampard, Terry, Ricardo Carvalho…), na altura em que o nosso Special reinava como um Deus sobre a Premier. O vício do futebol inglês, uma vez instalado, não se perde. Todas as oportunidades de viver aquilo ao vivo são de aproveitar. E se é uma experiência diferente daquelas que vivemos por aqui…
Por mim, também acho o futebol inglês um espetáculo grandioso, com características únicas na Europa. É a única Liga onde qualquer jogo, independentemente do nome dos participantes, é capaz de prender a atenção de um adepto que esteja distraidamente a fazer zapping pelos canais. Ninguém mais aborda os jogos com aquela intensidade e velocidade. Com aquela paixão - que também tem muito de respeito pelo público. Cansa só de ver. E os adeptos? Ninguém ruge golos como eles. Aquele «YÉSSSSS!» gutural que brota instantaneamente das bancadas assim que a bola entra numa baliza é inimitável.
Das muitas boas memórias que guardo desta profissão, as que tiveram lugar em estádios ingleses (Anfield Road e o velho Wembley, acima de todos) têm um lugar especial. Fazem parte dos lugares de afeto(s) com que vamos construindo as nossas histórias, as nossas narrativas, enfim, a nossa vida. Hoje é dia de Boxing Day e eu estarei sempre grato ao meu Pai por nos ter explicado, a mim e aos meus irmãos, a essência do futebol inglês. Que é, no fundo, a essência da competição como ela devia ser em todo o lado: Saudável. Leal. Credível. Limpa.
e-Gonçalves
O vieirismo exultou com o 30-0 dado ao Ministério Público pela equipa de advogados contratada a peso de ouro por Luís Filipe Vieira. Com razão. Foi um alívio. A SAD respira muito melhor e poupam-se explicações embaraçosas aos parceiros institucionais. Os indefetíveis do querido líder podem continuar a vibrar de orgulho quando ouvem LFV dizer que o Benfica é a locomotiva da transparência e que as práticas do clube são elogiadas até no estrangeiro. Os vieiristas não querem saber da situação de Paulo Gonçalves, que a Justiça formalmente acusou de corrupção. Como disse o líder na televisão, «Benfica é Benfica, Paulo Gonçalves é Paulo Gonçalves» (Gonçalves, o homem que mais sabe sobre o funcionamento do Benfica na última década).
Pouco importa que os crimes de que Gonçalves é acusado tenham sido [alegadamente] cometidos quando ele era funcionário superior do Benfica e braço direito de Vieira. Isso agora não interessa para nada. OK. Ele terá corrompido um funcionário judicial, mas só ele saberá explicar porquê, com que intuito. O Benfica é que não tem nada a ver com isso. Em última análise, Paulo Gonçalves terá corrompido uma toupeira por desporto, para desenjoar… quiçá em proveito próprio (Sport Lisboa e Gonçalves?). Reparei, passando os olhos pelas reações, que o benfiquismo mais lúcido e avisado não fez festa nem lançou foguetes. Compreensivelmente. Não é difícil perceber que quando e-Gonçalves se sentar no banco dos réus é o vieirismo que começa a ser julgado.