Uma depressão acentuada
Não existem nenhumas razões de alegria e poucas razões de esperança no universo portista. Virámos a primeira volta do campeonato a uma distância do primeiro lugar jamais vista desde que Pinto da Costa é presidente e creio que nem o mais optimista de nós alimenta ainda esperanças de que daremos a volta. Ao duplo falhanço da equipa nos seus dois objectivos principais, Champions e Campeonato, soma-se a sensação clara de que também o clube navega à vista, com uma única estratégia, que é a do controle de danos - aliás, de resultados antecipadamente penosos. E, enquanto isto, observamos, do lado do rival, números em campo que desafiam a estatística, a lógica e qualquer possibilidade real de competição equilibrada, ao mesmo tempo que, fora do campo, se multiplicam os sinais daquilo que Fernando Guerra aqui antevia ontem como «um futuro na crista da onda». De facto, a onda só vai num sentido - e é contra nós. Vejamos, por partes.
1 - Tinha de ser o SC Braga, claro, a entregar definitivamente o título numa bandeja ao Benfica. O grande aliado do Benfica a nível nacional não lhe falhou, uma vez mais, na hora de necessidade. Tudo estaria bem se esta capacidade que o Braga tem de tramar a vida ao FC Porto tivesse a mínima equivalência nos jogos com o Benfica. Mas não tem. Porém não quero tirar mérito à vitoria dos comandados de Rúben Amorim no Dragão, incluindo o mérito do recente treinador do Braga ter tido a honestidade de reconhecer que teve por si a sorte do jogo. Porque a teve. Toda: na forma como chega ao primeiro golo, na primeira vez que ultrapassaram a linha do meio-campo, nos dois golos obtidos em consequência de dois passes errados portistas em zona proibida, na forma como sobreviveram a um assalto maciço à sua baliza durante quase toda a segunda parte, e nos dois penáltis desperdiçados pelos da casa - um luxo que já não se usa nos tempos que correm.
Mas foram os penáltis, justamente, que escreveram a história do jogo e que condenaram Sérgio Conceição. Vi-o assumir a responsabilidade da derrota mas espero sinceramente que não tenha sido uma declaração de circunstância para se antecipar às críticas. Porque, de facto, ele foi o grande culpado. Na terceira época consecutiva à frente da equipa, tendo já perdido inúmeros jogos e vários títulos à conta da inacreditável incompetência da generalidade dos jogadores a cobrar penáltis, é indesculpável que Sérgio Conceição ainda não tenha sido capaz de corrigir isso. À custa das horas extraordinárias de treino que fossem precisas, das horas a ver vídeos que bastassem (por exemplo, até eles perceberem porque razão Bas Dost nunca falhava um penálti), e a explicar-lhes o básico: que um penálti se marca sempre, sempre, pelo chão, que se deve enganar o guarda-redes ou desequilibrá-lo para um lado antes de rematar, em lugar de rematar em força ou tentar colocar tanto que se falha. Mesmo assim, e não se tendo dado a esse trabalho, Sérgio Conceição deveria saber o que qualquer adepto portista sabe: que para cobrar penáltis só tem dois jogadores que, garantidamente, provaram sabê-lo fazer: Alex Telles e Marcano. Soares não é um deles e lá porque Alex teve azar no primeiro, nunca ele ou Marcano deveriam ter cedido a vez a Soares, no segundo.
Depois, deveria saber que um meio-campo com Danilo e Uribe não pode funcionar. É entregar o ouro ao bandido. Danilo, que já deu muito à equipa, está irreconhecível, é um peso morto e um perigo em campo, que não precisou nem de cinco minutos para oferecer o primeiro golo ao Braga. Uribe, que durante muito tempo eu quis acreditar que era apenas um jogador banal, afinal é mais do que isso: é um mau jogador e uma contratação falhada. Um só exemplo: algures, na segunda parte, caiu-lhe aos pés e sem adversários em cima, junto à marca de penálti, uma bola redondinha, pronta a rematar para o golo. Rematou para fora, longe do golo, e virou costas, sem um gesto ou uma expressão de frustração, como se fosse a coisa mais natural de todas. Mas, sensivelmente na mesma posição, Rafa rematou duas vezes para os dois golos do Benfica, como se fosse a coisa mais natural de todas. Em seis meses de competição, Uribe não marcou um único golo nem fez nada que o recomende; em 15 minutos em campo, regressado de uma longa lesão, Rafa fez dois golos e sentenciou um campeonato. Cada um vale o que vale, mas os treinadores são pagos para distinguirem uns dos outros.
Se há coisa que distingue Bruno Lage de Sérgio Conceição é que eu vejo jogar o Benfica, umas vezes bem, outras mal, mas estão lá sempre os melhores em cada jogo e nas posições certas. E Lage sabe premiar e incentivar o talento e o momento de cada jogador, nunca dando a sensação de que deixou de fora alguém que merecia claramente estar no lugar de outrem. Com Conceição, tudo é um mistério indecifrável: aparece Loum, a jogar claramente melhor que Danilo e o prémio é...desaparecer. Luis Díaz começa a revelar-se o oposto de Uribe, uma verdadeira mais-valia, que ainda por cima vale golos, e sai da equipa, mantendo-se Uribe. Zé Luís, que ele tanto quis contratar, enche as medidas aos adeptos e mostra-se enfim como uma alternativa à desagastada fórmula de ataque à bola em profundidade para a corrida do Marega e logo se vê, e pronto, Zé Luís para o estaleiro e para ser despachado.
2 - E, como insistem em presumir que somos todos estúpidos, lá vão passando os habituais recados através da imprensa, preparando o terreno para ruinosos negócios. Zé Luís está na calha para ser vendido por 20 milhões, pois «caiu de rendimento e há um mês que não marca um golo» (e como, se há um mês que não joga?). Custou 9,5, o que significa 11, com as alcavalas habituais, Se vendido por 20, entrarão 18. Saldo: 7 milhões, uma pechincha, menos do que nos custou o tal Ghilas, há sete anos atrás. Em contrapartida, passam o recado de que «Danilo é inegociável no mercado de Inverno», como se nós acreditássemos que alguém o quisesse levar agora. E, de caminho, já avisam, que, se calhar, em aparecendo uma oferta, lá terá de ir Alex Telles, antes que saia a custo zero, pois que, em devido tempo, não se preocuparam com a renovação (como eu me fartei de dizer aqui). E o jovem Tomás Esteves, que tão boas impressões deixou no jogo de preparação da pré-época - que foram os únicos minutos que Sérgio Conceição lhe concedeu até agora, apesar de todos os problemas em encontrar um lateral-direito que satisfaça - também, e pelas mesmas razões, está em risco de sair para o Borussia Dortmund pela bagatela de 10 milhões. Já sabemos, é claro, que, depois do desastre do Krasnodar vamos ter de vender forte e feio antes das férias de Verão. E também sabemos, como já o escrevi várias vezes, que os compradores que interessam não compram os que nós gostaríamos de despachar, mas os que são mesmo bons. Parvos aqui, só aqueles que nos tomam por parvos. Mas é preciso resistir a vender ao desbarato. É inacreditável deixar sair a preço de saldo jovens ou menos jovens talentos porque não se esteve atento para renovar contratos em devido tempo. E, sobretudo, é de poupar-nos ao ridículo de tentar disfarçar aquilo que tem sido uma gestão desastrada com recados canhestros mandados através da imprensa, que já ninguém engole e já ninguém suporta.
3 - Bolasie tinha levado injustificadamente o segundo cartão amarelo e sido expulso frente ao Portimonense e ficaria de fora no próximo jogo, contra o FC Porto. O Sporting recorreu, ele foi despenalizado e toda a gente achou justo. Coates viu agora o 5.º amarelo e ia ficar de fora no próximo jogo. O Sporting recorreu e perdeu: o jogo era contra o Benfica. Quase a terminar o Benfica- Rio Ave, para a Taça, Rúben Dias cortou um ataque perigoso do adversário, abalroando-o daquela forma gentil que é a sua, enfiando-o fora do terreno. Era o segundo amarelo no jogo, o Benfica ficaria com dez nos minutos finais e até se arriscava a ir a prolongamento com dez. Além disso, Rúben Dias ficaria de fora do próximo jogo... contra o Sporting. Só havia uma forma de evitar tantos potenciais danos, que era o árbitro ser a única pessoa, em Portugal inteiro, a não ver a falta - tal como em Guimarães só o árbitro e o VAR não viram o mesmo Rúben Dias instalar-se em cima das costas de um adversário, abraçando-o ternamente, dentro da grande área. Foi o que sucedeu também desta vez.