Uma assembleia geral ‘sui generis’!...
Perdem autoridade moral para criticar os que vão fazer apenas ruído aqueles que contribuem para a degradação e vulgarização do órgão
AAssembleia Geral do Sporting Clube de Portugal (como aliás a de associações congéneres) é «composta pelos sócios efectivos no pleno gozo dos seus direitos, e admitidos como sócios do clube há pelo menos doze meses ininterruptos e que tenham, de acordo com a lei, atingido a maioridade, reside o poder supremo do Clube». Como todos sabem, há muito tempo que defendo que em assembleias universais não se pode discutir e votar de uma forma séria certos assuntos, sejam os mais simples aos de maior complexidade. Acontece que tal pode exigir (ou talvez não) uma alteração estatutária, o que será ainda mais difícil discutir e votar numa assembleia geral a funcionar nos moldes actuais. Assim, não me parece compatível com a composição prevista e os direitos dos sócios, consagrados estatutariamente, a limitação de 2116 sócios, ainda que a assembleia geral se limite a deliberar e a não discutir o que quer que seja segundo a ordem de trabalhos estabelecida. Mas isto também não é importante e é referido apenas porque se 750 votantes são menos de 1% dos sócios com direito a participar, aquele número corresponderá a menos de 3% o que não será significativo.
Vejamos, porém, qual o objectivo da assembleia geral extraordinária que hoje se realiza para alterar deliberações tomadas nas Assembleias Gerais Ordinárias próprias para o efeito e ocorridas no tempo fixado nos estatutos. Não descortinando qualquer fundamento legal ou estatutário, é minha opinião que a pretensão do Conselho Directivo é que as anteriores deliberações sobre as contas e parecer do Conselho Fiscal sejam anuladas ou revogadas; parece-me menos exigente, e mais aceitável, o objectivo da Mesa da Assembleia Geral, que, reconhecendo a legitimidade das votações anteriores, pretende uma votação mais «robusta», isto é, mais forte, mais vigorosa - pese embora não quantifique (em percentagem) o grau da robustez ou vigor - mas que tem o mérito de não ser tendencioso, no sentido de indicar em qual dos lados se deve medir a robustez: no da aprovação ou no da rejeição!
Na verdade, a Assembleia Geral Comum Ordinária reúne duas vezes por ano, uma das quais até 30 de Setembro de cada ano, para exercer uma das suas competências: «Discutir e votar o relatório de gestão e as contas do exercício, bem como o relatório e parecer do Conselho Fiscal e Disciplinar relativamente a cada ano económico.»
Rogério Alves, presidente da Mesa da Assembleia Geral do Sporting
A Assembleia Geral de 26/09/2020 foi convocada (não para discutir) mas apenas para «deliberar sobre o Relatório de Gestão e as Contas do Sporting Clube de Portugal, respeitantes ao exercício de 1 de Julho de 2019 a 30 de Junho de 2020, elaborado pelo Conselho Diretivo e acompanhado do Relatório e Parecer do Conselho Fiscal e Disciplinar». A deliberação foi de não aprovação.
Assim, em vez de arrogância, devia ter havido, no mínimo, algum pudor e convocar a assembleia de 30/09/2021 para discutir e depois votar aqueles documentos. Mas não: de novo a assembleia foi convocada para «deliberar sobre o Relatório de Gestão e as Contas do Sporting Clube de Portugal, respeitantes ao exercício de 1 de julho de 2019 a 30 de Junho de 2020, elaborado pelo Conselho Diretivo e acompanhado do Relatório e Parecer do Conselho Fiscal e Disciplinar», limitando-se a acrescentar «já antes votados e não aprovados na Assembleia Geral realizada em 26 de Setembro de 2020». De novo, a deliberação foi no sentido da não aprovação.
Mas, de novo e sem qualquer fundamento, a assembleia de hoje, agora extraordinária, é convocada para «deliberar sobre o Relatório de Gestão e as Contas do Sporting Clube de Portugal, respeitantes ao exercício de 1 de Julho de 2019 a 30 de Junho de 2020, elaborado pelo Conselho Diretivo e acompanhado do Relatório e Parecer do Conselho Fiscal e Disciplinar, já antes votados e não aprovados nas Assembleias Gerais realizadas em 16 de Setembro de 2020 e em 30 de Setembro de 2021, bem como da Declaração dos auditores datada de 13 de Outubro de 2021».
Identicamente, o relatório e contas e o parecer do Conselho Fiscal relativos ao exercício de 2020/2021 foram, conforme convocatória, discutidos e votados na assembleia de 30 de Setembro passado, e agora, também sem qualquer justificação ou fundamento, não serão objecto de discussão, mas apenas de nova deliberação na assembleia de hoje, conforme convocatória - «deliberar sobre o Relatório de Gestão e as Contas do Sporting Clube de Portugal, respeitantes ao exercício de 1 de Julho de 2020 a 30 de Junho de 2021, elaborado pelo Conselho Diretivo e acompanhado do Relatório e Parecer do Conselho Fiscal e Disciplinar, já antes votados e não aprovados na Assembleia Geral realizada em 30 de Setembro de 2021, bem como da Declaração dos auditores datada de 13 de Outubro de 2021».
Reconhecendo o Conselho Directivo - e bem - que a não aprovação das contas e do parecer do Conselho Fiscal não tem consequências estatutárias, para quê este espectáculo plebiscitário (a lembrar Bruno de Carvalho em 2018) que só provoca divisões e confrontos desnecessários entre os associados e adeptos do Sporting Clube de Portugal de alguma forma unidos pelos resultados desportivos? Não separem o que Rúben Amorim uniu.
Pergunto: há alguma necessidade disto? Decididamente, não vejo qualquer interesse em criar situações, não impostas por normas legais ou estatutárias, para se praticarem actos desnecessários, que implicam despesas igualmente desnecessárias (que era bom saber em quanto importam), com discussões absolutamente fúteis e idiotas sobre minorias ou maiorias de bloqueio ou desbloqueio, quando somos todos Sporting, independentemente das ideias divergentes sobre determinados assuntos.
Aquilo que se pretende deliberar sobre as contas de 2019/2020 e 2020/2021 já foi deliberado pela maioria absoluta dos sócios presentes nas respectivas Assembleias Gerais Ordinárias previstas nos estatutos, para esse efeito: não foram aprovadas. Nesta assembleia de hoje, o que se pretende é, sem qualquer fundamento legal ou estatutário, anular ou revogar as deliberações validamente tomadas, no mais completo desrespeito pelos associados presentes nessas assembleias. É por isso que existe abstenção elevada: não há mobilização para ir votar - seja a favor ou contra - quando o voto não é respeitado.
É possível admitir que uma norma legal e estatutária que estabelece que as deliberações são tomadas pela maioria absoluta dos associados presentes possa ser posta em causa pelo Conselho Directivo, de acordo com o humor com que acorda de manhã? É possível entender que as decisões de rejeição necessitam de ser robustas e as de aprovação não?
A meu ver, mas pode ser que esteja a ver mal, o Sporting Clube de Portugal não é uma associação para ser gerida como um rancho folclórico, mas a maior potência desportiva nacional e uma das maiores numa perspectiva internacional, que mexe com milhões de pessoas e euros!
A meu ver, mas pode ser que esteja a ver mal, as deliberações das associações, desde as mais pequenas e modestas até às maiores, são anuláveis pela via judicial, se para tal houver fundamento, designadamente, se forem contrárias à lei e aos estatutos, como dispõe o artigo 177.º do Código Civil.
Gostaria pelo menos que se tivesse tido a humildade de convocar esta assembleia de hoje com o objectivo confesso de anular ou revogar aquelas deliberações, justificando ou fundamentando essa pretensão. Perdem autoridade moral para criticar os que vão às assembleias para fazer apenas ruído aqueles que contribuem, com atitudes destas, para a degradação e vulgarização do órgão onde reside o poder supremo do clube. Ainda não esqueci a «comissão transitória da mesa da assembleia geral», também ela sui generis, num tempo negro da nossa história!...
Com assembleias gerais sui generis, não se admirem depois que o poder supremo caia na rua.
AINDA O ARTIGO 49.º, 1 DOS ESTATUTOS
C ONTINUA na berlinda a questão da segunda volta, para que que o presidente do Sporting seja sufragado pela maioria absoluta dos votos dos associados votantes, como qualquer outra deliberação que não exija maioria qualificada.
Tenho defendido, sem contestação visível ou audível, a ilegalidade dessa norma, por contrária ao artigo ao número 2 do artigo 175.º do Código Civil.
Nesta conformidade, não me parece ser necessário uma alteração estatutária, mas apenas uma norma a introduzir no regulamento eleitoral que preveja uma segunda volta, no caso de haver mais de dois candidatos e nenhum atinja a maioria absoluta, e assim se alcance o objectivo enunciado e de acordo com a lei.