Uma assembleia geral ‘nova’!...
Falo sobre assembleia moderna, que debata os assuntos que interessam, que funcione como um órgão de governação emanado dos associados
N A vida, é bom atingir um momento em que, pensando como sempre de forma livre e independente, podemos exprimi-lo sem constrangimentos subjectivos ou objectivos, antes de forma tranquila e serena. E o momento, de sucesso desportivo por se ter encontrado um caminho, é propício para uma reflexão sobre o modelo organizacional, que possa suportar e desenvolver o projecto desportivo.
Aqueles que militam contra a transformação dos clubes, ou de parte deles, e designadamente, aqueles que acham, mais ou menos romanticamente, que não necessitam de investimento exterior, apontam, sistematicamente, para os exemplos do Real Madrid e do Barcelona, que não deixam de ser grandes clubes pelo facto de não se terem transformado, total ou parcialmente, em sociedades anónimas desportivas.
Esquecem, porém, que mantendo embora outra forma de organização que não a de sociedade anónima, não deixam de se fundamentar nelas para estabelecer o seu modelo de organização, muito mais adequada à indústria de futebol onde se movimentam milhões, para claramente se diferenciarem das colectividades de cultura e recreio, que organizam concursos de dança, de pesca ou conferências sobre temas culturais, porque é a isso justamente que se dedicam: actividades de cultura e recreio para os associados. Ter uma equipa de futebol na Champions não é propriamente uma actividade recreativa!
Acontece que a lei quadro que regula, em primeira mão, as associações do tipo do Benfica, do Sporting ou do Porto, é o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei 47 344, de 25 de Novembro de 1966, isto é, vai fazer 55 anos.
Cinquenta e cinco anos é muito tempo, e os deste novo século e milénio são de tal forma vertiginosos, que não é possível conciliar num mesmo texto e muito menos no mesmo contexto, uma sociedade recreativa.
Na verdade, as disposições que regulam as pessoas colectivas, designadamente, as associações como o Sporting Clube de Portugal ou o Sport Lisboa e Benfica são as mesmas para a Sociedade Filarmónica Alunos de Apolo, fundada a 26 de Maio de 1872, que ao longo de mais de um século, dedicou-se ao meio recreativo, cultural e social. A sua antiguidade merece tanto respeito como aquelas instituições, mas não podemos comparar as suas actividades com a actividade desta, que é, actualmente, a dança de salão/desportiva.
Perante isto, dois caminhos são possíveis: ou pedir uma legislação mais adequada à sua realidade ou, dentro do quadro legal, procurar elaborar estatutos que se adaptem aos novos tempos e à dimensão da sua realidade económico-social.
Na verdade, e não me pretendendo imiscuir nas tarefas do legislador, viro-me para os estatutos, que estes podem ser alterados de acordo com a vontade dos seus associados, respeitada que seja a lei. Ou seja: é dever dos clubes, designadamente, dos associados, configurar a governação de acordo com a realidade que é hoje muito diferente daquela em que foram fundados.
E, como tenho dito muitas vezes, e de há muito tempo a esta parte, há que começar por um novo conceito de assembleia geral onde reside o poder supremo do clube, como se refere nos estatutos, quer do Sporting, quer do Benfica. Novo conceito que não contraria nenhuma norma do Código Civil, e que até já foi introduzido na área do desporto, nomeadamente, no regime jurídico das federações desportivas, que sendo constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativos - tal como os clubes - englobam clubes ou sociedades desportivas, associações de âmbito territorial, ligas profissionais, se as houver, praticantes, técnicos, juízes e árbitros, e demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento da respectiva modalidade, mas não estão todos nas assembleias gerais, que são compostas por um mínimo de 30 e um máximo de 120 delegados, nos termos estabelecidos nos estatutos da respectiva federação desportiva de acordo com os princípios constantes do presente decreto-lei, e que representam esses clubes, praticantes, treinadores, árbitros e juízes, ou de outros agentes desportivos que sejam membros da federação desportiva.
Aliás, os estatutos do Sporting Clube de Portugal, por exemplo, referem que, a Assembleia Geral é composta pelos sócios efectivos - não por todos - no pleno gozo dos seus direitos, e admitidos como sócios do clube há pelo menos doze meses ininterruptos e que tenham, de acordo com a lei, atingido a maioridade.
É assim que funciona a assembleia geral do Real Madrid, por muitos considerado o maior clube do mundo: é integrada por todos os sócios com direito a voto, mas através de representação. Além de membros por inerência, cada milhar de sócios elege, de entre eles, trinta e três representantes (delegados) ou um número menor proporcionalmente correspondente de modo a que o número de delegados eleitos não seja superior a dois mil.
Também no Barcelona, como no Real Madrid, no Benfica ou no Sporting, a Assembleia Geral é o órgão supremo de Governo, e para, efectivamente, governar não é uma assembleia universal, mas delegada, com membros por inerência ou eleitos.
Uma curiosidade: falou-se muito do facto de a última assembleia geral do Sporting ter sido convocada para um dia do jogo com o Moreirense. Nos estatutos do Barcelona está expressamente consagrado que a data de realização de Assembleias Gerais, comuns ou extraordinárias, deve coincidir preferencialmente com uma jornada oficial no estádio.
Como se pode ver, o facto de se ser clube e não sociedade anónima desportiva, não implica que uma assembleia geral seja universal e não constituída por delegados ou representantes dos associados. Para se poderem discutir os assuntos seriamente e com um mínimo de profundidade não são necessários, antes são prejudiciais, um número ilimitado e variável de associados.
É assim que eu, e não só, venho defendendo uma assembleia delegada para discutir os assuntos da competência da assembleia geral. Assembleias universais só as eleitorais ou referendarias, isto é, para votar uma deliberação da assembleia delegada sobre matéria de particular relevância, como sejam alterações estatutárias, alienação de imóveis ou participações sociais, etc...
Falei nas duas últimas semanas sobre uma assembleia geral sui generis e uma assembleia geral comum. Hoje, e não só, quero falar sobre uma assembleia moderna, que consiga debater os assuntos que interessam, que funcione como um órgão de governação emanado dos associados, que seja uma troca de ideias e não de ruídos ou insultos: uma ASSEMBLEIA NOVA!...