Uma assembleia geral comum!...
Há regras e costumes, o uso delas para fins legítimos mas por meios incorrectos contribui para a degradação das instituições
AS assembleias gerais comuns ordinárias de discussão e aprovação de contas relativas aos exercícios de 2019/2020 e 2020/2021 tiveram lugar até ao dia de 30 de Setembro, tanto em 2020 como em 2021, tal como previsto na alínea b) do artigo 50.º dos estatutos do Sporting Clube de Portugal. Foram assembleias, tanto quanto sei, onde as deliberações de não aprovação ou rejeição das contas não foram contrárias à lei ou aos estatutos, fosse pelo seu objecto, fosse por irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia. Como estabelece o Código Civil, essas deliberações são anuláveis.
O Conselho Directivo do Sporting Clube de Portugal também as não considerou anuláveis do ponto de vista jurídico, mas entendeu anulá-las ou revogá-las pela força dos votos dados com outro sentido. A meu ver, isto não é correcto, nem possível, embora possa compreender que o Conselho Directivo, perante duas reprovações do relatório e das contas, tenha sentido a necessidade de um voto de confiança dos associados do clube e sobretudo, de chamar a atenção, que os associados devem «cuidar» do clube e, portanto, estar presentes nos momentos importantes da vida do clube, designadamente aqueles que respeitam à gestão.
Mas é esta a cultura que persiste entre nós quase cinquenta anos depois da vida em democracia. Também na politica, que diz respeito à vida de todos nós, as pessoas queixam-se disto e daquilo, mas quando chegam os momentos das eleições, constatamos que a abstenção cresce quase na proporção em que os problemas se agravam. Para além de uma ainda diminuta cultura democrática, as pessoas também têm alguma razão, porque sentem que a sua participação na vida do País só é reclamada na altura das eleições. Fora delas, muitas vezes é o poder das ruas ou o poder dos poderosos que desvirtua aquilo que se obteve nas urnas.
Mas, voltando ao Sporting, eu compreendo perfeitamente, repito, que o Conselho Directivo tenha sentido a necessidade de receber um voto de confiança, tenha tido o desejo de demonstrar que se tratava de uma minoria que só é de bloqueio na ausência da maioria.
Custa-me a aceitar, ou melhor, não aceito que para obter esse voto de confiança - desejo legítimo -, se vá por linhas tortas, votando o que já foi votado, isto é, em minha opinião, violando a lei e os estatutos. As instituições têm as suas regras, os seus costumes e as suas tradições e o uso delas para fins legítimos mas por meios incorrectos contribui para a sua degradação e desprestígio.
Frederico Varandas recebeu voto de confiança numa AG marcada para os sócios aprovarem contas anteriormente chumbadas
Na Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal reside o poder supremo do clube que se exerce não só para eleger e destituir os órgãos sociais, mas também deliberar sobre as matérias da sua competência, nos tempos e lugares próprios. Sem ser por violação da lei ou dos estatutos não aceito que se anulem deliberações que foram votadas sem violação da lei ou dos estatutos, mas apenas porque se querem deliberações «robustas», apenas porque houve pessoas integrantes da maioria que não saíram de casa para ir votar. Este precedente é perigoso, porque nos coloca perante a questão de saber, em cada caso, qual é a robustez que se exige ou se reclama!
Julgo que o Conselho Directivo tinha, e tem, toda a legitimidade para perante a rejeição de dois relatórios e contas, sobretudo o relativo ao exercício de 2020/2021, de questionar os associados sobre se merecem ou não a confiança dos associados. E era isso que, a meu ver, deveriam ter feito com toda a naturalidade e teriam uma resposta, se calhar ainda mais expressiva, à pergunta que sob a capa das contas fizeram.
Deviam usar a competência da Assembleia Geral para, ao abrigo do número 3 do artigo 43.º dos Estatutos «pronunciar-se sobre qualquer outra matéria que lhe seja submetida pelo Presidente da Assembleia Geral, pelo Conselho Directivo ou pelo Conselho Fiscal e Disciplinar». A matéria era de confiança e era a confiança que devia estar em discussão e votação na assembleia de 23 de Outubro passado.
Sou crítico, à luz do dia, e não no anonimato, de muitas coisas deste Conselho Directivo ou da Administração da SAD, e uma delas é entender que pouco fez, ou faz, para agregar os associados, quando eles têm mais que motivos para se agregar, designadamente, o sucesso desportivo em geral, e o sucesso no futebol em particular, onde a mensagem quase diária do treinador tem esse efeito agregador.
Mas a forma como têm decorrido as últimas assembleias, também justificada pelas restrições da pandemia, mas não só, coloca-nos várias questões sobre a forma como elas devem funcionar, para poder haver discussão dos assuntos, de forma serena e profícua, e não ser apenas votar de acordo com ventos e marés, ou seja, de uma forma pouco esclarecida. Discutir de forma séria, serena e construtiva os assuntos é a melhor forma de cuidar do clube, essa sim uma palavra feliz do presidente Varandas para definir o que é preciso fazer pelo clube - cuidar dos princípios definidos pelos fundadores!
Como disse, esta última assembleia teve um fim em vista perfeitamente legitimo e pena foi que ele não tivesse sido assumido. Mas já que se tratou, ao fim e ao cabo, de uma consulta à massa associativa sobre a confiança no trabalho do Conselho Directivo, tipo plebiscito ou referendo, por que não mobilizar os associados e adeptos do Sporting para uma discussão das questões mais relevantes da vida do clube e da sua posição na SAD, e mesmo questões estatutárias, e depois chamar os sócios a pronunciar-se, ainda que a título não vinculativo, através do voto? Está entre as competências da Assembleia e dados os meios de comunicação que existem actualmente, tanto no clube como na sociedade em geral, seria uma forma de se debaterem os verdadeiros problemas e os temas de maior interesse, sem ruído e sempre tendo em vista os superiores interesses do clube!
Porque não uma consulta sobre o que pensam os sócios sobre uma Assembleia Delegada? Porque não uma consulta sobre o que pensam os sócios sobre a posição do Sporting Clube de Portugal na SAD?
Lembram-se como os sócios se mobilizaram quando foram consultados sobre a venda do património? Eu lembro-me bem que até foi necessário mudar de local duas ou três vezes para poderem participar todos os que quiseram participar.
Os sócios não se mobilizam por pequenas questões, sobretudo quando o clube tem bons resultados desportivos. Quando os consultam para grandes questões, os sócios respondem com entusiasmo e dedicação, independentemente desses mesmos resultados. O serem todos consultados e não serem apenas os iluminados contribui para união. As elites devem-se limitar a esclarecer o que, infelizmente, não é hoje apanágio dos dirigentes em geral.
Habitualmente criticam-se as pessoas por tratar de assuntos na praça pública dizendo que o deviam fazer nas assembleias gerais. Mas eu pergunto: nestas assembleias gerais? Não há condição, nem há que ter nada a esconder. O Sporting Clube de Portugal, como pioneiro em tantas e tantas matérias, como a maior potência desportiva nacional e um clube que se quer entre os maiores da Europa, pode e deve tratar dos grandes temas do desporto em geral e do futebol em particular de modo a chegar aos seus milhões de adeptos!
Será na estratégia do presente e do futuro, alicerçada num passado glorioso de que nos orgulhamos, que encontraremos um caminho que seja o maior denominador comum entre todos nós. Com um projecto discutido e querido, assim se fará a unidade, mesmo que não seja a indesejada unanimidade!...