Um silêncio revelador
Talvez seja agora mais percetível a não reação do FC Porto quando Luís Filipe Vieira foi detido
AINDA não existe qualquer acusação mas os indícios são suficientemente sólidos para colocar muitas questões sobre cumplicidades que muito beneficiam interesses individuais e pouco os interesses coletivos. As buscas efetuadas no Estádio do Dragão e nas habitações de Pinto da Costa, do filho, Alexandre Pinto da Costa, dos empresários Pedro Pinho e Bruno Macedo e também dos administradores da SAD do FC Porto, Fernando Gomes e Adelino Caldeira, vieram confirmar o que há muito andava no ar: que a espada da Justiça não cairia apenas nos negócios de Luís Filipe Vieira. Porquê? Pelos sinais emitidos pelo próprio FC Porto aquando da detenção para interrogatório do agora ex-presidente do Benfica: ou melhor, a ausência dos mesmos. Um silêncio ensurdecedor e revelador. Afinal, o clube que antes aproveitava qualquer notícia, email, post ou tweet sobre alegadas más práticas do máximo dirigente do grande rival pura e simplesmente ficava calado no momento da glória.
Por coincidência, Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira tinham reatado relações pouco tempo antes, numa versão 2.0 do Perdoa-me, já sem Henrique Viana mas com muito leitão à mistura. Para dar espessura, dimensão e institucionalidade, lá conseguiram que Pedro Proença aparecesse no quadro e assim fizeram passar a ideia de que o grande desígnio dos dois decanos passava por melhorar o futebol português. Mais vale tarde que nunca, diz o povo, mas muitos terão desconfiado dos reais motivos que levaram dois dirigentes que durante quase 20 anos contribuíram para cavar longas trincheiras no desporto de repente enterrassem os machados de guerra. Os tais que, graças ao que disseram e mandaram dizer e o que fizeram e mandaram fazer, foram a mola para distúrbios entre adeptos com enormes prejuízos materiais e morais.
Muitos desses adeptos perceberão agora, face às informações mais recentes, que poderão aqui e ali ter sido ligeiramente instrumentalizados e que os tais interesses coletivos podem, afinal, não ser assim tão importantes quando comparados com as propriedades rejuvenescedoras do leitão. No passado houve jogadores profissionais de futebol que deixaram de comer os pequenos suínos com receio de aumentarem os níveis de nandrolona, mas quem joga fora do relvado agradece os efeitos estimulantes da carne e da sua pele crocante.
Quanto às consequências das buscas no universo azul e branco é cedo para aferir. Todos sabemos que o tempo judicial é diferente do tempo mediático e o poder da bola é muitas vezes superior ao poder dos mandados. Apesar de ainda não estar acusado, Luís Filipe Vieira foi destituído e os sócios elegeram um novo presidente para o Benfica. Quanto a Pinto da Costa, é difícil imaginar vê-lo sair pela porta pequena ou por pressão da opinião pública. Mas que não haja ingenuidade: se Vieira caiu mais facilmente que Pinto da Costa cairá não é porque os adeptos de um clube são dotados de maior consciência cívica ou moral; é porque um ganha (e ganhou) muito mais que o outro. É isso que lhe permite, por exemplo, afirmar que o filho dele nunca fez negócios com o FC Porto. E muitos acreditarem nisso.