Um quarto da responsabilidade?
Porque carga de água dizem os regulamentos que treinador que insulte, ameace ou agrida alguém num jogo vê a pena reduzida a 25 por cento?
ALGUNS treinadores parecem ter acordado agora, na sequência de uma semana negra (mais uma...) para a imagem do futebol português, para a necessidade de darem, eles, um melhor exemplo para o exterior. Rúben Amorim, Jorge Jesus e Carlos Carvalhal limitaram-se, contudo, a abordar ao de leve um problema que (chegou a hora de admitirmos de uma vez por todas) não se resolve, apenas, com um exame de auto consciência de cada um e a promessa de tentar ser melhor daqui para a frente. Não é assim que as coisas funcionam. Primeiro porque sabemos, todos, que o tentar ser melhor daqui para a frente só durará até à próxima vez em que o calor do jogo os levar a perder, de novo, a cabeça. E segundo porque não há qualquer outra atividade em que alguém consiga escapar a uma punição por violar regras com um simples vou tentar ser melhor daqui para a frente. Pode, admitamos, haver atenuantes para a primeira vez. Ou para a segunda, vá, sendo simpáticos. Mas não para a terceira. Ou quarta. Ou quinta. Há, na convivência social, um limite para tudo. E também devia haver na convivência desportiva. Porque as atenuantes não podem servir de desculpa para tudo. Nem para sempre. Amorim, Jesus e Carvalhal tentaram, com boas intenções, ninguém duvida disso, colocar o dedo na ferida. Mas não foram capazes. Porque esta ferida não se cura com festinhas.
Não, o problema do comportamento dos bancos, que começa sempre nos treinadores (ninguém, naquele espaço, deve falar mais alto do que eles), está nos regulamentos da Liga, que determinam que, em caso de violação de três dos seus artigos, os treinadores vejam as suas penas reduzidas a... um quarto. Não é metade, é mesmo a 25 por cento. E em que casos se aplica esta fantástica jogada matemática? Agressões (131.º), Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa (136.º) e Ameaças contra a equipa de arbitragem (139.º A). Ou seja, se um treinador agredir ou ofender algum dos agentes do jogo ou, até, se ameaçar a equipa de arbitragem, faça-o quantas vezes fizer, verá, por força dos regulamentos, a pena reduzida a um quarto Brilhante.
Façamos um exercício com os casos mais recentes: Rúben Amorim foi suspenso por 15 dias, a que acresce uma multa de 6375 euros, depois da expulsão com o Famalicão; Sérgio Conceição levou 21 dias e uma multa de 10200 euros depois de ter visto o vermelho em Moreira de Cónegos. Foi, para ambos, a quarta expulsão da época. Não são, reconheça-se (em especial tendo em conta a reincidência), penas muito pesadas. Mas se não fosse a tal questão da pena reduzida a 25 por cento, Amorim apanharia 60 dias de suspensão e pagaria uma multa de 25500 euros e Conceição levaria 84 dias de castigo e pagaria uma multa de €40800. Ou, para citar um exemplo ainda mais caricato, falemos de Miguel Cardoso, que andou a fazer de Mister Bean no Bessa: suspenso por 32 dias e uma multa de 11.220 euros em vez de oito dias e €2.805. Era, convenhamos, diferente. Não só passaria, para todos os que olham o futebol de fora, uma imagem de justiça a sério como levaria o tentar ser melhor daqui para a frente para outro nível: o tenho de ser melhor daqui para a frente ou quase não estou um jogo no banco. Porque, ao contrário do que parecem dizer as leis da Liga, os treinadores não têm menos responsabilidades do que jogadores ou dirigentes. Pelo contrário, deviam até ter mais...
Numa altura em que se aproxima a discussão dos regulamentos para a próxima época, seria bom que os clubes tivessem lido a mensagem de Pedro Proença no dia 25 de Abril e percebessem que têm de ser eles a dizer, sem demagogias ou hipocrisias, se conseguem autorregular-se e aprovar regras e castigos que defendam, efetivamente, o futebol. Se não conseguirem (ou não quiserem...), está na hora de alguém meter mão nisto e regular por eles. Porque como as coisas estão é que não podem continuar. Já não bastam palavras de circunstância...