Um problema chamado pisão

OPINIÃO30.08.202206:30

Cabe aos jogadores a missão mais importante: respeitar o jogo e respeitar o adversário

ESTÁ a tornar-se habitual e não pode. Não pode nem deve. No futebol, os pisões - leia-se, no contexto, a sola da bota do jogador que é colocada sobre parte do corpo do adversário - são um gesto potencialmente perigoso, capaz de lesionar seriamente colegas de profissão. O problema é grave porque os jogadores usam calçado que geralmente tem pitons. Pitons que podem ser de borracha ou alumínio e que, quando utilizados indevidamente, criam perigo para a integridade física de quem está em campo. Este problema, o das pisadelas, deve ser analisado em duas perspetivas: na de quem tem obrigação de os sancionar (os árbitros) e na de quem tem o dever de os evitar (os jogadores). Mas vamos por partes, então.

A análise técnica e disciplinar de um pisão pode ser simples ou complexa. Há lances que, pela sua visibilidade e aparência, não deixam margem para dúvidas. São claros e (quase) toda a gente aceita a decisão da equipa de arbitragem. Mas há outros que, por terem características menos óbvias, suscitam mais dúvidas. A sua avaliação depende quase sempre de um conjunto de fatores que os árbitros devem observar in loco: o da força que é empregue na ação, o da velocidade e intensidade colocadas na abordagem, o da malícia ou inocência do infrator, o do local que é atingido (corpo do adversário) e o da possibilidade da infração poder causar lesão. Ora, como se viu na última jornada (fértil em faltas desta natureza), nem sempre é fácil perceber se uma entrada mais feia deve ser punida com cartão amarelo ou com cartão vermelho. Há algumas que são mesmo difíceis de catalogar. Moram na fronteira, algo que infelizmente sempre motiva controvérsia e discussão públicas. Sem prejuízo da análise dificultada dessas situações, a verdade é que este é um tema cuja coerência e uniformidade deve ser mais e melhor trabalhada pelos árbitros. Já houve lances aparentemente claros (para expulsão) que não mereceram chamada do VAR, enquanto outros - menos evidentes ou apenas negligentes - foram alterados para vermelho, após intervenção inoportuna daquele. Essa situação cria sensação de injustiça entre as equipas, algo que, a este nível, deve e pode-se evitar.

Mas não obstante do que é decidido à posteriori, cabe aos jogadores, antes disso, a missão mais importante: a de respeitar o jogo, respeitar o adversário e atuar de modo a não fazer perigar a sua segurança física. Em termos legais, o ato de pisar pode ser meramente acidental ou fortuito (e aí, sem falta), imprudente (falta de atenção, punida apenas com pontapé-livre), negligente (quando o atleta não mede as consequências da sua ação para o opositor - é sancionado com advertência) ou grosseiro (quando é usada força excessiva, algo punido com vermelho direto). Quando um jogador disputa um lance de jogo com um colega de profissão, tem a obrigação de entregar à sua abordagem uma força proporcional, justa e focada apenas na bola. Tem a obrigação de evitar contactos que possam magoá-lo ou deixá-lo inferiorizado fisicamente. Se arrisca demais, se emprega força, intensidade ou velocidade acima do que o lance precisa, se põe-se a jeito, tem que estar preparado para assumir a consequência disciplinar da sua ação. Depois do que vimos nos últimos jogos (e não apenas naqueles em que estiveram envolvidos os chamados grandes), convém que árbitros e jogadores reflitam muito sobre esta questão. Pisar magoa! Pisar pode partir uma perna ou fraturar um tornozelo. Pisar pode rebentar os ligamentos de um joelho! Hoje o do adversário azarado, amanhã o do jogador mais atrevido. São lesões gravíssimas, que podem terminar com carreiras. O melhor é que todos sejam prudentes e mantenham a lucidez, de forma a evitar o pior: lesões, expulsões, multas e suspensões, algo que em última instância prejudica empregado e empregador.
Para reflexão.