Um novo método - as sondagens

OPINIÃO28.06.202003:00

As sondagens (1)

-As eleições aproximavam-se e as sondagens não eram boas para o Chefe.
- A questão é esta - disse o Chefe - quando um indivíduo, mesmo na plena posse do seu cérebro, diz que a sua opinião é para a esquerda e não para a direita, quem nos diz a nós que ele não pensa precisamente o contrário?
- É uma questão que se pode sempre pôr.
- Mais. - prosseguiu o Chefe. - Quem nos diz que quando ele diz que quer ir para a esquerda não quer afinal de contas ir para a direita?
- Já tinha pensado nisso - murmurou um Auxiliar.
- Eu também tinha pensado nisso - acrescentou o outro.
- Pensámos ao mesmo tempo - concordaram os dois.
- A minha teoria sobre as sondagens da opinião é, pois, em primeiro lugar, a seguinte - e passo a explicar...
Os dois Auxiliares haviam já colocado o rosto, por completo, em pose de orelha.
O Chefe avançou:
- Não basta receber a opinião da população. É necessário interpretá-la. Mesmo quando só escrevem uma cruz: o que significa essa cruz? Cada opinião pessoal deverá ser interpretada à lupa, por especialistas.
- Que são...?
- Que são aquilo que designo como: Especialistas do Eu.
- Especialistas, portanto... - murmurou o Auxiliar - ...no estudo da mente humana, da sua personalidade...
- Quem falou de humanos?! - ripostou o Chefe, carregando depois na primeira palavra. - Eu disse: especialistas no Eu. No Eu, percebem?!
- Ah, especialistas em Vossa Excelência, no Chefe.
- Ora aí está! Finalmente! E qual o melhor especialista no Eu, pergunto Eu? Quem está melhor habilitado para interpretar a subjectiva opinião dos indivíduos altamente subjectivos deste país. Qual o melhor especialista no Eu?
- Vossa excelência? - arriscaram os Auxiliares.
- Exacto. Eu! Eu! Eu é que vou interpretar objectivamente a opinião subjectiva do povo.
- Bravo! Eis a ciência.

As sondagens (2)

-Tudo bem - aceitou o Chefe, finalmente. - Se as sondagens querem apelar à participação da população, que assim seja.
- Falam em amostras ao acaso.
- Ao acaso...? Que imprudência!
- Ao acaso, mas não tanto. Há uma certa ordem, apesar de tudo. Com um certo número de mulheres, de homens, etc. Tudo muito científico.
- Que se mantenha o científico das sondagens, sempre gostei da ciência. Mas que as unidades dessa ciência sejam definidas por mim.
- Como assim, excelência Chefe?
- A proposta que me parece mais justa e equilibrada é a seguinte: que se alargue a sondagem a uma amostra tanto maior quanto possível: homens, mulheres, jovens, velhos. E ainda outros...
- Até os outros...?
- Até os outros.
- Isto é democracia!
- Viva! - gritou logo o outro Auxiliar....
- E se dê a todos eles o meu número de telefone.
- Como?
- O meu número de telefone - disse o Chefe. - Que cada um dos elementos dessa amostra representativa, escolhida aleatoriamente segundo critérios científicos, me telefone para saber a minha opinião. Assim teremos uma sondagem justa, com uma amostra alargada, e com uma opinião objectiva e ponderada.
- Portanto, a proposta do Chefe é que a amostra da sondagem em vez de dar a opinião, telefone ao Chefe para o Chefe dar a sua opinião a todos.
- A um de cada vez.
- Chefe, não nos poderão acusar de viciar os resultados?
- Claro que não. A pergunta será sempre feita por uma pessoa diferente. É aqui que deveremos centrar a atenção. Qualquer elemento do povo poderá perguntar a minha opinião. Como poderão estar viciados os dados se é a própria população que me faz a pergunta?
- Tem razão, Chefe.
- E é original.