Um médico militar no ‘lamaçal’

OPINIÃO12.09.201804:00

O juiz desembargador Manuel Ramos Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, proferiu há dois dias, na SIC Notícias, uma duríssima sentença contra o futebol português quando o comparou a um «lamaçal». A frase foi proferida quando Ramos Soares defendia que a presença de juízes em clubes de futebol pode afetar a imagem da Justiça. Que me tenha apercebido, não houve reação nem da Federação Portuguesa de Futebol nem da Liga Portugal - vamos acreditar que nem Fernando Gomes nem Pedro Proença tomaram conhecimento do assunto. Porque quem cala consente, não é verdade? Não sei se o futebol português é um «lamaçal», mas que parece um sítio muito mal frequentado, disso não há dúvida. Basta atentar na quantidade de casos que têm sido objeto de investigação pela Justiça, do velhinho Apito Dourado aos mais recentes e-mails, Lex, e-toupeira, jogos manipulados e Cashball. Um ror aparentemente infindável de chico-espertices, práticas censuráveis e atos ilícitos que afetam seriamente a credibilidade deste desporto e, atenção, de muita gente que vive dele e se movimenta nele… e na sua órbita. Repare-se que o «lamaçal» também não poupou funcionários judiciais - há dois acusados de serem toupeiras - e até um juiz desembargador (!), suspeito de tráfico de influências e corrupção num caso (Lex) que também envolve figuras clubísticas graúdas.  


É neste mundo pouco recomendável que o novo presidente do Sporting, o médico-militar Frederico Varandas, de 38 anos, se vai movimentar nos próximos tempos. É verdade que Varandas já esteve na guerra a sério - em 2008, passou seis meses no Afeganistão como médico oficial do destacamento português inserido na Força de Reação Rápida da NATO -, mas não sei o que isso lhe pode valer num desporto em que boa parte da luta - provavelmente a mais decisiva - não se desenrola em campo aberto. Facto é que o Sporting, pela segunda vez no espaço de cinco anos, elege um presidente muito jovem (Bruno de Carvalho tinha 41 anos quando tomou posse em março de 2013) de quem os sportinguistas esperam um discurso moderno, mobilizador e capaz de continuar a pôr em causa o velho establishment e as práticas que lhe andam, justa ou injustamente, associadas - leia-se, o poder desportivo e institucional que FC Porto e Benfica detêm quase ininterruptamente há mais de 40 anos. Como se lembram, BdC até começou bem o mandato: discurso compreensivelmente ousado, a marcar terreno e reclamar posição, e envolvência do universo leonino numa série de ideias/causas/realizações que marcaram profundamente a agenda mediática (por falar nisso: há quanto tempo não se escuta uma ideia nova da boca de Pinto da Costa ou de Luís Filipe Vieira?). Depois, foi o que se sabe: agressividade e crispação permanentes, descontrolo progressivo, afundamento e colapso final em estilo wagneriano com consequências que ainda não são conhecidas em toda a extensão. Um estoiro de todo o tamanho por culpa própria.


Cabe a Frederico Varandas perceber o que é que Bruno fez bem (ele chegou a empolgar os sportinguistas) e escolher outra maneira, necessariamente mais contida e institucional, de marcar diferença relativamente ao perfil e modus operandi dos presidentes dos velhos rivais, que até serão, como diz o povo, farinha do mesmo saco. Pinto da Costa tem 80 anos e deteve durante larguíssimos anos o poder hegemónico do futebol português, com as perversidades daí decorrentes e que ficaram bem à vista no processo Apito Dourado. Luís Filipe Vieira tem 69 anos e deteve até há bem pouco tempo o tipo de poder que antes associávamos ao FC Porto - com as perversidades daí decorrentes e que estão bem à vista nos vários casos judiciais em que o Benfica se encontra envolvido. O próprio Sporting, que não tem peso nem meios para construir um sistema, tem explicações a dar relativamente ao Cashball (que ocorreu na gerência de Bruno e pode vir a manchar a reputação do clube). Tenho a convicção de que os sportinguistas que votaram maciçamente nos dois candidatos mais novos e de discurso mais arejado (João Benedito até foi o mais votado) continuam a acreditar, até pelos sinais encorajadores que sopram da Justiça, que é possível ao Sporting ganhar sem ser a qualquer preço, abjurando o «lamaçal» citado pelo juiz Manuel Ramos Soares. É essa ilusão que Varandas não pode trair - como Bruno traiu.

Bravo Portugal, pobre Itália

Portugal venceu uma pífia Itália sem Cristiano Ronaldo (adaptação impeditiva) e Fernando Santos ganhou pelo menos mais quatro jogadores (João Cancelo, Rúben Dias, Rúben Neves e Bruma) no processo de renovação em curso. Foi uma vitória justíssima que só não foi mais robusta porque a Seleção tem um problema grave de eficácia: é uma equipa leve, com pouco golo. Fez um em cada um dos últimos cinco jogos e apenas 15 nos 11 jogos realizados este ano. O que é pouco. Não estando Ronaldo a lacuna é ainda mais aflitiva: lembrem-se que no futebol moderno (alô França) a eficácia é tudo - de que serve ter a bola, saber o que fazer com ela e até desenhar bonitas jogadas se depois não há quem lhes assente o ponto final? Quanto à Itália, e sem desmerecer o jogo da nossa Seleção, era o que faltava se Portugal não tivesse vencido aquele conjunto de jogadores medianos que se moveram penosamente na Luz à imagem de uma equipa pequena - sem brilho, sem atitude, sem horizonte (reservando o assomo de ousadia da praxe para os minutinhos finais). Talvez com Maurizio Sarri (Chelsea) no banco, ou mesmo Eusebio Di Francesco (Roma), a Itália recuperasse mais depressa o estatuto de grande potência. Mas o futebol de Roberto Mancini, como antes o de Giampiero Ventura, não favorece a retoma. Tem o atrativo de uma úlcera gástrica e a beleza estética de uma verruga. Vais continuar a penar, Itália.