Um deus na terra
«Sempre tive o maior respeito pelo meu amigo Rafa como pessoa e campeão. Como o meu maior rival durante tantos anos, acredito que nos temos empurrado um ao outro para sermos melhores. Por isso, é uma grande honra dar-te os parabéns pela 20.ª vitória num Grand Slam. É ainda mais espantoso o facto de já teres vencido Roland Garros por umas incríveis 13 vezes, que é um dos maiores feitos em desporto (…). Espero que 20 seja apenas mais um passo na nossa jornada. Well done, Rafa. Tu mereces». Foi assim que Roger Federer (39 anos), comentou o facto de Rafael Nadal (34 anos) o ter igualado em número de Grand Slams depois de o espanhol cilindrar, com impressionante determinação e autoridade, o rival Novak Djokovic (33 anos) na final de Roland Garros. A manifestação de desportivismo do suíço, geralmente considerado o maior tenista de todos os tempos, só surpreende quem não percebe que a rivalidade no desporto não tem de ser necessariamente alimentada com agressividade, azedume, despeito e inveja. No caso de Federer e Nadal, eles não são apenas adversários: são amigos de longa data e nunca esconderam o respeito e a admiração que têm pelo outro. Na história das grandes rivalidades desportivas (Coppi-Bartali, Muhammad Ali-Frazier, Palmer-Nicklaus, Borg-McEnroe, Evert-Navratilova, Prost-Senna, Ronaldo-Messi) talvez esta seja a mais cavalheiresca. A que devia servir de exemplo nas escolas primárias deste país.
«Tudo se resume em ter paixão», disse Nadal ontem em entrevista ao diário madrileno AS. Sim. Paixão é uma boa palavra para definir aquilo que Nadal faz no court. Ele é provavelmente o maior exemplo de combatividade, entrega e resiliência do circuito. Não esquecendo que, dos três tenores, tem sido o mais atormentado por lesões (já falhou 11 Grand Slams por problemas físicos contra quatro ausências de Federer e uma de Djokovic), este espanhol de caráter bigger than life dá tudo o que tem - e o que não tem - e nunca, mas nunca se rende. Luta como um miúra até ao último fôlego e, quando perde, é de uma elegância exemplar - como Federer, aliás. Nunca vimos nestes dois as chico espertices em que Djokovic é useiro e vezeiro (aqueles pedidos de assistência médica nitidamente para quebrar o ímpeto ao adversário…), nem nunca se lhes ouviu uma tirada azeda ou desrespeitosa para com um adversário. É por isso que Nadal e Federer são únicos. Num fim de semana marcado por outras grandes proezas desportivas como a 91.ª vitória de Lewis Hamilton (35 anos) em Grandes Prémios de F1 - pode bater o mítico recorde de Michael Schumacher no circuito de Portimão ! - e o quarto anel de campeão da NBA desse extraordinário LeBron James (35 anos), o vigésimo Grand Slam de Rafa Nadal representa a enésima coroa de glória para o país europeu - a Espanha - que porventura mais figuras desportivas de exceção produziu no último quarto de século. Assim de repente: Miguel Indurain, Carlos Sainz, Iker Casillas, Josep Guardiola, Xavi Hernández, Andrés Iniesta, Sergio Ramos, Fernando Alonso, Pau Gasol, Rafael Nadal, Marc Márquez …
Aquilo em que CR7 é insubstituível
Uma coisa é certa: por causa deste maldito Covid-19, logo não haverá mais golos de Cristiano Ronaldo na baliza sueca. O que é uma pena porque a Seleção depende muito e há muito tempo - demasiado tempo! - dos golos de Ronaldo. O que é uma pena porque Fernando Santos não tem mais ninguém capaz de fazer o que Ronaldo faz - ninguém com tanto golo e tamanha capacidade de impor respeito ao adversário (por falar nisso, as declarações pós-jogo tanto do selecionador espanhol como do francês, revelaram explicitamente de quem é que eles tinham medo).
Com Ronaldo, Portugal será sempre, pelo menos potencialmente, uma seleção temível. Sem Ronaldo, Portugal continua a ser uma seleção muito forte, quiçá até mais homogénea, mas sem a contundência e o halo de perigosidade que lhe empresta o capitão. Que é muita. E, infelizmente, única. Já aqui chamei várias vezes a atenção para o problema de não haver na Seleção outros jogadores capazes de fazerem regularmente a diferença. O que não tem nada a ver com talento, habilidade e capacidade técnica - isso têm os nossos jogadores de sobra. Fazer regularmente a diferença não é marcar um golo de sete em sete jogos ou fazer, por cada jogo, uma finta, uma simulação, uma assistência estilosa. Fazer regularmente a diferença (como o guarda-redes francês Hugo Lloris explicou a sorrir…) é o que Ronaldo faz em quase todos os jogos em que participa, seja com a camisola do clube ou a da Seleção. Fazer a diferença a marcar, a assistir, a impor respeito, a liderar.
Adiante. Não há capitão? Pois, paciência. É mais uma oportunidade para os Brunos, os Bernardos, os Diogos, os Andrés, os Joões e os Franciscos mostrarem que, além do talento que ninguém discute, também têm o mais importante no futebol - contundência, efetividade, capacidade de decidir… numa palavra: golo! GOLO!
Aproveitem que é a Suécia, o saco de pancada do grupo. Ganhar é fundamental, mas seria importante fazer golos para o caso de a decisão final passar por aí…