Um campeão diferente

OPINIÃO13.05.202107:00

O Sporting de Frederico Varandas mostrou que é possível ser campeão em clima de paz social. Era bom que fosse este o modelo a seguir

T ODOS os campeonatos e os respetivos vencedores têm um lugar na história mas o título conquistado pelo Sporting em 2021 será destacado numa galeria especial do museu de memórias do futebol português. Tem muito a ver com o contexto das nossas vidas e da experiência social por que passámos: este título será recordado  daqui a muitas décadas por ter sido o Campeonato Covid, jogado de princípio ao fim sem público devido às restrições sanitárias (pelo menos até à decisão de campeão). Talvez só daqui a alguns anos nos daremos conta do quão profissionais foram todos os jogadores, de todos os clubes, jogando sem público, encontrando dentro deles mesmos uma paixão que não receberam das bancadas. Mas, de entre todos eles, foram Adán, Coates, Porro, Palhinha e Pedro Gonçalves (apenas para citar a espinha dorsal dos vencedores) os que personificaram a necessidade de os futebolistas serem competitivos ao máximo para compensarem a ausência de estímulos do exterior. Foram duplamente campeões.

A vitória do Sporting tem ainda um outro grande mérito: o de ser inquestionável de todos os pontos de vista. Foi um título limpinho, digamos, que nem o caso Palhinha serve de argumento de contestação porque, na verdade, foi uma situação que começou com uma injustiça (um cartão amarelo mal exibido) e a trama que se seguiu tem muito a ver com o complexo edifício jurídico no futebol e pouco com o jogador-indivíduo.
Há muito tempo que não havia um consenso tão grande à volta de um campeão. Mérito de Rúben Amorim, que conseguiu convencer não só os adeptos do Sporting mas também os adeptos dos rivais sobre o seu valor como treinador, líder de homens e comunicador de excelência. Acredito que poucos seriam os benfiquistas e portistas que não gostariam de tê-lo a treinar as suas equipas. Nada mau para quem foi acusado de ter cometido uma «fraude» pela Associação Nacional de Treinadores, cujo presidente talvez nunca suspeitasse até onde chegaria aquele jovem aspirante
 

Varandas e Amorim, dupla de sucesso

O título conquistado pelos leões tem também uma importância do ponto de vista da sanidade social. É certo que ajuda não ter sido nem Benfica ou FC Porto o vencedor (clubes que extrapolam o conceito da rivalidade clubística) mas também porque o Sporting de Frederico Varandas nunca alimentou o belicismo extremo, focando-se mais em si e não nos adversários. De ganhar pelo Sporting e não ganhar contra Benfica ou FC Porto. Isso foi visível na maior parte dos  vários discursos de festa de jogadores, treinadores e dirigentes. Há desde há muitos anos a tese de que a comunicação, se for agressiva, ajuda a ganhar títulos. Daí o clima de terrorismo comunicacional que assistimos há uns anos da parte dos leões. Todos sabemos que a tática da terra queimada não só não resultou (o clube não ganhou) como provocou um autoflagelo. A verdade é esta: para o Sporting ser campeão bastou-lhe, tão só, ser mais competente que os adversários. Sem bullying, mas com firmeza; sem tropas de indignados em plataformas externas mas com um exército no local certo: no relvado. Seria bom que fosse este o modelo a seguir no futuro, a bem de um futebol onde se respirasse melhor. Talvez seja pedir muito porque daqui a um mês os mestres da intelligence, na ânsia de justificarem e manterem os seus empregos, lá estarão na linha da frente, de camuflados e pistolas em punho, à espera do próximo alvo. Até lá, no entanto, desfrutam  da paz. Vale tanto como uma vacina.