Bruno Lage guiou o Benfica a triunfo em Guimarães sobre o Vitória, por 3-0
Bruno Lage guiou o Benfica a triunfo em Guimarães sobre o Vitória, por 3-0 (Foto: Imago)

Um Benfica inteligente, matreiro e autoritário

OPINIÃO22.04.202508:00

'Selvagem e Sentimental' é o espaço de opinião semanal de Vasco Mendonça, consultor de marketing e adepto do Benfica

O primeiro golo do Benfica em Guimarães deu-me esperança num final feliz, mesmo que a história não seja como a imaginei. Na minha cabeça, o Benfica é todo-poderoso: deve ser sempre possante, dominador, um compressor que verga os adversários e os esmaga com galhardia e lealdade. A realidade é que nem sempre colabora. Corria o vigésimo minuto da partida e o Vitória tentava impor o seu jogo, passando mais tempo no meio-campo adversário.

A estratégia parecia empurrar-nos para demasiado perto da área, o que sugere, desde logo, más memórias. Não gosto de ver uma equipa do Benfica encolhida no campo. Admito que a realidade nem sempre permita ao Benfica ocupar o relvado como se fosse seu e os adversários estivessem lá apenas porque as regras da modalidade a isso obrigam — mas parece-me sempre uma coisa meio imprópria, contrária à imagem que tenho do meu clube. Não perdi mais tempo. Abri o WhatsApp e preparava-me para partilhar com amigos um primeiro sentimento de apreensão, isto perante mais uma saída a jogar que nos fazia parecer acossados. Quis o destino que a app se desligasse sem motivo aparente. Enquanto o WhatsApp reiniciava, Florentino, Akturkoglu e Pavlidis desdobraram-se para ocupar o relvado como se este fosse exclusivamente seu e me explicarem que havia um plano.

A facilidade com que esta equipa passa de um momento de aperto para outro de felicidade descreve bem aquilo que tem sido a época do Benfica com Bruno Lage. Já muitos o deram como despedido ou condenado ao insucesso, mas o treinador do Benfica continua a fazer como naquela célebre imagem de Cristiano Ronaldo, em pleno El Clásico, quando pede calma e diz que está ali. Bruno Lage, ao que parece, também, e o seu trabalho continua a explicar-se melhor do que a oratória.

Não é exatamente o Benfica que idealizei — e creio que também não corresponde à ideia original de Lage —, mas o facto é que alguns dos jogos mais difíceis da época têm sido superados de forma inteligente. A equipa parece optar por dar alguma iniciativa ao adversário, como se conseguisse medir exatamente até onde este pode ir (um plano arriscado, claro), esperando pacientemente pela oportunidade de usar o talento disponível para revelar uma versão matreira que responde de forma bem oleada à pressão adversária, quase sempre com oxigénio e engenho suficientes para desferir ataques perigosos ou fatais — que é como quem diz, colocar o adversário no seu devido lugar e fazê-lo duvidar da sua superioridade territorial. O Vitória teve mais bola, mas quase nunca jogou mais à bola.

Talvez por isso o Benfica aparente mais desenvoltura a jogar fora de casa, onde a expectativa de passar 90 minutos instalado no meio-campo adversário é um pouco menor. Por comparação, os jogos em casa, no Estádio Allianz, têm sido mais complicados, como demonstrado recentemente pelo Arouca e até mesmo pelo Farense.

Os algarvios, ainda que tenham tido pouca bola (apenas 30%), conseguiram fazer o ataque posicional do Benfica parecer um pouco mais frágil do que seria desejável. Já o Arouca, que teve direito a um bónus arbitral, soube ocupar o meio-campo do Benfica e não só teve mais bola (45%) como mostrou o que se pode fazer com ela. Esta debilidade na transição defensiva não me parece ser um problema com solução conclusiva esta época, mas vem aí um teste em que não podemos falhar. Importa perceber como vai o Benfica chegar ao jogo contra o Sporting, em casa, onde, tudo indica, terá a responsabilidade de vencer por dois golos de diferença.

Sabendo da apetência do Sporting para um jogo vertical, competente a fazer a bola chegar rapidamente a Gyokeres, será fundamental que o Benfica mostre primeiro a sua versão mais autoritária e só depois a matreirice. Antes disso, e para que este parágrafo não envelheça mal, só uma coisa interessa: vitórias contra Aves SAD, Estoril e, já agora, Tirsense.

O dossiê vazio da centralização

Mudam-se os tempos, mas falta saber se a vontade acompanha. As recentes alterações na liderança da Liga e na estrutura da FPF, assim como a permanência do tema, criaram espaço para intervenções muito interessantes sobre o projeto de centralização dos direitos televisivos. Começando pela mais importante, de Reinaldo Teixeira, novo presidente da Liga, cujo discurso de tomada de posse fez soar alarmes e confirmou uma coisa que muitos iam ouvindo dizer por aí — mas não a um microfone.

Contrariamente à definição mais ampla encontrada no dicionário, as referências a um dossiê da centralização dos direitos televisivos diziam afinal respeito ao objeto literal: uma pasta onde se arquivam folhas e documentos. Lá dentro, de acordo com a nova liderança da Liga, pouco consta.

Segundo Reinaldo Teixeira, está tudo por fazer: qual a chave de repartição, que modelo competitivo, que tipologias de produto serão apresentadas ao mercado, ou que investimento será feito para recalibrar a Liga portuguesa numa nova era de conteúdo digital e acesso aos protagonistas. Junte-se a isto as reflexões pertinentes e preocupadas de Luís Sobral, ex-diretor-geral da FPF, Rui Pedro Soares, consultor com experiência neste tema, ou a recente entrevista de Francisco Lampreia a este jornal — um executivo com vasta experiência internacional em clubes de topo nas áreas de media, patrocínios e conteúdos.

Todos têm um mérito: o de tornar esta discussão mais clara e de tornar os alarmes ainda mais audíveis. E todos parecem indicar o mesmo: que as expectativas criadas são irrealistas e que, digo eu, dificilmente todos sairão satisfeitos.

Os alertas vêm de todos os lados, exceto de quem devia naturalmente liderar o futebol português e acelerar a mudança. Continua a ser estranho, no mínimo, que pouco ou nada se saiba sobre o pensamento do atual presidente do Benfica acerca deste tema.

Neste, como noutros assuntos, o plano de jogo parece dar a iniciativa aos adversários — mas, se a estratégia vai resultando dentro do relvado, pode ter resultados desastrosos cá fora. Não deixa de me pasmar e entristecer que alguém historicamente conhecido pela sua visão de jogo pareça tão distraído e inoperante nesta fase da sua vida profissional.