Um abraço de polvo, uns sinais de fogo e uma festa das arábias

OPINIÃO08.01.202001:00

1 - A 16.ª vitória consecutiva do Benfica em jogos fora para o campeonato (coisa só disputada pelo Liverpool, mas esses são campeões da Europa e do mundo), foi semelhante, não a todas as outras, mas a muitas delas: mau futebol, um golo de tão grande simplicidade que se confundiu com facilidade, não mais alguma ocasião de golo válida, muito sofrimento, perdas de tempo, e... já está. Não haveria mais história em jogo jogado não fosse o abraço de polvo (com ambos, e não apenas um braço, Duarte Gomes!) que Rúben Dias deu a Davidson em plena área benfiquista, num penalty a dois tempos - primeiro, empurrão, depois agarrão - que estranhamente escapou a árbitro e VAR. Um penalty tão descarado que, para mais não dizer, até Rui Gomes da Silva teve de reconhecer que, se tem acontecido na área do Guimarães, não teria deixado de ser assinalado. E assim se somaram dois pontinhos preciosos para o 38. Mais um passo naquilo que o dirigente benfiquista e colunista deste jornal, Sílvio Cervan, escreveu há semanas (e ainda a tempo de integrar o rol das frases do ano 2019): «O Benfica está na melhor fase da época e tem conseguido vencer adversários e arbitragens manhosas.»

2 - As claques (perdão, «os grupos organizados de adeptos») benfiquistas começaram por enviar cadeiras e tochas a arder em direcção aos adeptos do Vitória, indiferentes para com a sua integridade física. Depois, e igualmente de forma organizada e estratégica, continuaram a fazê-lo sempre que sentiam que dava jeito à equipe uma pausa no jogo. No total, foram quatro interrupções, queimando dezenas de tochas e, pelo menos, 8 minutos de tempo de jogo, compensados generosamente pelo árbitro com 6 minutos de descontos. Seguiram-se as habituais previsões de mão pesada da Liga: qualquer coisa como 20.000 euros de multa para o Benfica, um clube que acaba de gastar 23 milhões a comprar um alemão desconhecido e se declara pronto a gastar outros 20 milhões num brasileiro. E, depois de ouvir o secretário de Estado do Desporto, percebi que a mão pesada não passará disso. Aliás, diga-se em abono da verdade, não é só o governo que fomenta a impunidade com a sua passividade, a justiça comum também o faz. O Benfica - clube cujos «grupos de adeptos organizados» estão ligados a nove em cada dez incidentes violentos nos últimos anos - já tem algumas três condenações de interdição do estádio por incidentes destes. E nenhuma foi ou será cumprida, pois que a justiça comum decretou que era inconstitucional obrigar o Benfica a cumprir a lei que todos os outros cumprem de registar as claques, e igualmente inconstitucional responsabilizar o clube pelos feitos das tais claques que não são claques. Não há , pois - disse-o a justiça - nada  a fazer. Não admira: estes são os mesmo tribunais que julgaram que apesar de o director jurídico do Benfica ter sido acusado de ter infiltrado o sistema informático da própria justiça para obter conhecimento dos processos em segredo de justiça que interessavam ao clube e de, segundo a sentença o ter feito para «apresentar serviço» à administração que servia, esta de nada sabia. E esta é a mesma justiça que, depois de ter ido buscar Rui Pinto à Hungria e de o manter há quase um ano em prisão preventiva sob a acusação de tentativa - repito, tentativa - de extorsão sobre uma empresa de má fama do Cazaquistão, conseguiu dessa forma calar o incómodo Mercado do Benfica e as suas incómodas revelações. E que, em lugar de as investigar, ou de investigar as denúncias que Rui Pinto fez sobre a Doyen Sports, investiga agora, segundo recente notícia que ouvi na TVI, «se Rui Pinto terá agido sozinho ou a mando de algum dos rivais do Benfica». Ou seja, investiga o FC Porto! Prende-se o mensageiro e assim se mata a mensagem... Cada vez sou mais levado a acreditar no que Rui Pinto disse em Dezembro à Der Spiegel: anda para aí um polvo à solta e a sua influência não se limita às instâncias do futebol, mas a tudo o mais que  importa.

3 - Em Alvalade, o FC Porto teve finalmente a sorte que o Sporting teve em abundância nos últimos quatro ou cinco jogos com os portistas, em especial nas finais da Taça da Liga e da Taça de Portugal de 2019, ambas ganhas nos penalties. Mas, mesmo assim, sem qualquer comparação. O Porto devia e podia ter acabado com o jogo quando viu o Sporting abananado com o golo madrugador de Marega (mais uma recepção falhada, mas esta orientada para o golo...), e se, em vez disso, não se tem deixado também estranhamente tolher pelo medo... de ganhar. Não foi de quem quer ser campeão. Um detalhe: na melhor oportunidade de golo do Sporting, Vietto, descaído sobre a esquerda, chutou ao poste da baliza de Marchesín. Só que, no momento em que ele chutou, estava uma tocha (sportinguista) a arder na mesma zona do terreno e a poucos metros de distância e um bombeiro em campo, a tentar recolhê-la. E se tem sido golo?

4 - Soaram os tambores pátrios com o arraso de prémios portugueses arrebanhados numa coisa quase desconhecida que dá pelo pomposo nome de Global Soccer Awards. Ora, eu tenho todo o respeito que merece o trabalho de Jorge Mendes como empresário de futebol: os números falam por si e por ele e não são precisas encenações tão patéticas como esta para lhe tecer os merecidos louvores. De facto, um pouco mais de atenção ou isenção, um pouco menos de ingenuidade ou cumplicidade, chegariam para perceber que os tais Global Soccer Awards mais não são do que uma festa de promoção de Jorge Mendes, dos seus negócios e do seu cliente preferencial para vendas, o Sport Lisboa e Benfica. Senão, vejamos:
- os ditos prémios só existem na imprensa portuguesa, sendo olimpicamente ignorados na restante imprensa desportiva que conta e a sua nula importância pode ser atestada pela ausência total na tal festa de figuras de referência do mundo do futebol, seja jogadores ou ex-jogadores, árbitros, treinadores, dirigentes, jornalistas, ect;
- o local da festa é o Dubai, uma curiosa cidade que conheci há meses e que, por acaso, é sede da Emirates, a companhia aérea que patrocina o Benfica e que, sendo uma empresa estatal que não presta contas, presta-se muito bem a oferecer as viagens aos convidados da organização;
- os nomes dos premiados dizem tudo: Cristiano Ronaldo, o mais célebre e rentável representado de Jorge Mendes, vencedor pela sexta vez em sete edições do prémio melhor jogador do ano (e que desta vez não faltou à festa, até porque não concorria contra ninguém que se saiba); João Félix, vencedor do prémio revelação do ano e o mais recente e milionário negócio de Mendes, mas que tarda a justificar o preço e o prémio no Atlético de Madrid; o próprio director desportivo do Atlético de Madrid, que ganhou o prémio de director desportivo do ano, sem outra razão plausível que não a de ter sido quem comprou João Félix a Jorge Mendes e ao Benfica e que bem deve estar a precisar de uma medalha qualquer para exibir no clube; Jorge Mendes, claro, ganhou o prémio de empresário do ano, sendo apenas um pouco exagerado que o tenha feito pela nona vez em dez ocasiões; e, enfim, a Academia do Benfica, no Seixal, ganhou o prémio de Academia do ano (pela segunda vez em duas edições), a meias com a do Ajax - uma porque é onde Jorge Mendes se abastece de preferência, outra, quase que apostaria, porque é onde também terá interesses emergentes. Um pormenor um bocadinho comprometedor deste prémio é ele ter acontecido no ano em que a Academia do FC Porto forneceu a equipa que se sagrou campeã europeia de clubes, vencendo a Youth League. Quanto ao pormenor de logo dias depois o Benfica ter dado 23 milhões por um jovem alemão e se preparar para dar outro tanto por um jovem brasileiro, ao arrepio da melhor Academia do mundo, isso são negócios de outro rosário. Para o ano há mais Mendes Soccer Awards.