Trotinetas
As trotinetas abandonadas por Lisboa levantam-me questões para lá do mero incómodo de, ocasionalmente, ter de dar um passo ao lado no passeio. Não é apenas isso, são problemas, perdoem-me a altivez, existenciais. Por princípio falamos de uma opção natural ou elétrica de locomoção em cidades poluídas, ademais aliada a prática saudável, quase desportiva, como a trotineta. Acontece que choca, literal e simbolicamente, com os veículos deixados onde calha. Em Boston, na América -até uma das cidades de maior tradição desportiva do país - as bicicletas e trotinetas largadas estão a ser atiradas para o rio Charles. Em Sydney, na Austrália, são empilhadas em hediondas estruturas supostamente artísticas e em Hangzhou, na China, amontoadas aos milhares em aterros, lixo. Cá, antes que comecem a poluir o Tejo, a Câmara quer saber quantas há e onde ficam parqueadas e a PSP já se vai preparando para puxar do bloquinho das multas.
Duas ideias relevantes, então - as tais existenciais… - podem aplicar-se: desde logo a conhecida Tragédia dos Bens Comuns, de William Foster Lloyd, economista que concluiu que os indivíduos no uso de um bem comum o farão sempre de acordo com os seus interesses e em detrimento desse bem. Mas há outra de que me lembrei ainda mais pretensiosamente, a do Paradoxo de Fermi, o distinto dilema sobre a inteligência extraterrestre, que debate a aparente contradição entre a dimensão do universo, e a alta probabilidade de existência de vida inteligente noutros planetas, e a contraditória falta de evidência. É desta que me lembro quando vejo esta gente nas trotinetas: parecem-me modernos e espertos, contudo quando vejo os brinquedos espalhados por aí, como se a cidade fosse quarto desarrumado por crianças, sinto que deve haver uma inteligência qualquer por ali a rondar, sim, mas que ainda não chegou até nós.