Três coisas imutáveis

OPINIÃO22.06.202004:00

O essencial é invisível aos olhos, escreveu Antoine de Saint-Exupéry a propósito da vida e do amor. A frase pode ser replicada no futebol. O essencial, muitas vezes, escapa-nos com estranha facilidade. Há cinco meses, antes da pandemia, comparávamos plantéis e a fácil tendência era considerarmos o do Sporting claramente abaixo dos de Benfica e FC Porto e até do de SC Braga. E talvez fosse (e seja) verdade. De janeiro a junho, porém, muita coisa mudou. Sobretudo o que é essencial quando pensamos em futebol ou na vida: tudo é transitório. Pepe era número um, agora não é, amanhã regressará ao topo. Eduardo Quaresma está a deslumbrar, amanhã terá um erro, depois de amanhã terá dois e daqui a três dias voltará a ser brilhante. Ferro era craque, deixou de ser e, em breve, será de novo excelente. Tal como Danilo. Ou Ricardo Horta. Tudo é transitório. Há apenas duas coisas imutáveis: a Terra gira à volta do Sol e ninguém vive eternamente. O resto é mutável. A forma de Messi e de Ronaldo ou a qualidade dos plantéis de Benfica, FC Porto, Sporting e SC Braga. A mais brilhante teoria sobre a transitoriedade tem apenas oito palavras (e uma vírgula) e foi elaborada há muitos anos por António Pimenta Machado, então presidente do V. Guimarães: o que hoje é verdade, amanhã é mentira. E é.

HÁ dez meses (menos de um ano!), o Benfica despachou o Sporting por 5-0 e Bruno Lage estava confirmado como sendo a última Coca-Cola do deserto. Agora (transitoriamente) é apenas uma latinha de refresco acastanhado no meio de uma palete de latinhas de refresco acastanhado. Daqui a sete jornadas, quando o campeonato terminar, far-se-á nova avaliação à imutabilidade de Lage enquanto treinador. Se o Benfica ganhar a Liga, Lage será, de novo, uma latinha fresquinha no meio do Saara. Se os encarnados ficarem em segundo lugar, Lage nem sequer será uma latinha no meio de uma palete de latinhas. Será apenas uma gotinha quente de refrigerante. O mesmo de passará com Sérgio Conceição. À margem da lei da transitoriedade está (para já) Rúben Amorim. Chegou, viu e, embora não vencendo, está na crista da onda. Pegou num plantel destroçado e, em três meses, implementou ideias fortes e está a retirar o máximo de cada jogador. E sem Bruno Fernandes. O que os teóricos do futebol (entre os quais eu) achavam ser impossível. Colocar o Sporting, sem BF, a jogar melhor? Impossível ou, no mínimo, improvável. Aí está a prova de nada ser definitivo. Agora é Amorim a última Coca-Cola no deserto. Amanhã (como as conquilhas) não sabemos.

APÓS o Rio Ave-Benfica apercebi-me de que, afinal, há três coisas imutáveis: a Terra a girar em torno do Sol, ninguém viver eternamente e a estupidez humana. O que fizeram a Nuno Santos (tal como o que fizeram a Jackson Martínez após falhar um penálti no Dragão) é inqualificável. E ignóbil.