Três anos a perder crédito

OPINIÃO01.07.202004:00

O Benfica sofreu mais um vexame e Bruno Lage, em face da dimensão do descalabro - duas vitórias nos últimos 13 jogos e a pior série do clube em 116 anos - não teve outro remédio que atirar a toalha ao chão, depois de vários dias a saber pelos jornais das démarches da Direção com vista a encontrar-lhe substituto. O futebol é uma aldeia e as informações (e as indiscrições) correm depressa. Foi tudo surrealista. Lage, completamente perdido, a insistir que tinha a Direção e a equipa com ele quando toda a gente percebia que estava a falar sozinho há muito tempo. E a Direção do Benfica a fingir apoio ao treinador enquanto falava com outros e esperava que Lage se demitisse para não ter de lhe pagar uma indemnização significativa - lembre-se que foi Vieira, sem ter nenhuma pistola apontada à cabeça, quem lhe ofereceu contrato até 2024. Nos entretantos, com a equipa a afundar-se numa espiral negativa e Vieira incapaz de tomar uma decisão - como se exige a um líder - o Benfica terá perdido quase todas as hipótese de ganhar o campeonato (que, em boa verdade, não merece, tão pouco joga). Luís Filipe Vieira, em modo querido líder, agita  fantasmas com vinte anos e encena um psicodrama (atenção: não sei se continuo!...) sabendo muito bem, porque é esperto, que não é nada isso que aflige os benfiquistas. O que os aflige é muito simples: por que razão o Benfica, com melhor plantel, mais poder e muito mais dinheiro, está na iminência de perder o segundo campeonato em três anos para o FC Porto mais empobrecido e fragilizado da era Pinto da Costa.

A mais que provável perda do título para o FCP pode encerrar um ciclo de três anos particularmente mau para a Direção de Vieira. Pelo fracasso desportivo a nível doméstico (conta-se o fantástico campeonato de Lage e nada mais…) e pela costumeira incapacidade de afirmação europeia - mais três anos a penar na fase de grupos da Liga dos Campeões com desempenhos e resultados medíocres. E, last but not least, pela notória degradação da imagem pública do Benfica em consequência dos famosos emails. Alvo de investigações, buscas e processos judiciais, o Benfica vive sob suspeita desde junho de 2017, quando o Porto Canal começou a divulgar, a conta-gotas, uma série de emails que, no mínimo, deitaram completamente por terra a imagem do Benfica de paladino da transparência e da verdade desportiva que Vieira costumava apregoar. O FCP foi condenado pela divulgação dos mails, mas toda a gente percebeu que a Justiça não ilibou o Benfica do resto: a verdade é que, ao fim deste tempo todo, o essencial da questão continua em aberto: a estrutura do Benfica organizou ou não um esquema de corrupção em benefício da equipa profissional de futebol?  O Benfica atentou ou não contra a verdade desportiva e contra o direito dos outros competidores a uma competição justa e não viciada? Continuamos pendentes da resposta que só a Justiça pode dar. Quando? Ninguém sabe. Mas vai sendo mais do que tempo de vermos todas as dúvidas esclarecidas.

Julgo que é razoável situar no verão de 2017 o inicio da falência do projeto desportivo (?) de Vieira e a intensificação progressiva da vertente SLN - Sport Lisboa e Negócios -, que levou Vieira e os seus parceiros estratégicos a movimentarem, em apenas três anos, 526 milhões de euros em compras (98,6) e vendas de jogadores (427,4). Consultem-se as listas do site transfermarket e confira-se a quantidade de jogadores que o Benfica negociou (compras, vendas, empréstimos….) neste último triénio. É um carrossel impressionante, parece mais um entreposto de negócios do que um clube de futebol. Há três anos o Benfica iniciou a época como tetracampeão. O objetivo mais que óbvio seria a conquista do penta que só o FC Porto detém no palmarés. Que investimento fez Vieira para compensar os 137 milhões encaixados com as vendas, entre outros de Ederson, Lindelof, Nélson Semedo e Mitroglou, todos peças fundamentais na conquista do tetra? Uns parcos dez milhões (Seferovic, Krovinovic, Svilar, Gabigol…) que se revelaram insuficientes para impedir o FC Porto de ganhar o campeonato (estreia de Sérgio Conceição) e de evitar uma campanha miserável na Champions com seis derrotas em seis jogos. A partir dessa época o navio começou a adornar, sucedendo-se atos de gestão discutíveis, erros de avaliação constantes e episódios institucionais duvidosos, o último dos quais foi a OPA da Benfica SGPS sobre 28% da SAD, embaraçosamente chumbada pela CMVM.

Não sei se Luís Filipe Vieira está ou não no fim da linha - veremos o que pensam os benfiquistas sobre o assunto - mas este modelo centrado no negócio export-import parece esgotado e pouco ou nada tem acrescentado àquilo que verdadeiramente interessa aos adeptos: vitórias, títulos, orgulho no clube e na imagem que ele projeta dentro e fora de portas - creio que nenhum benfiquista decente se revê na imagem que o Benfica de Vieira (& Gonçalves…) projeta desde o caso dos emails. Como o futebol imita a vida, também no universo clubístico os poderes absolutos tendem a gerar vícios inconfessáveis e cumplicidades perigosas (chamemos-lhe assim). Mas não pode valer tudo. E como há situações que não podem eternizar-se, chega-se sempre a um ponto em que a resolução do problema passa forçosamente por uma rotura. Com pessoas e com métodos. O resto está escrito na história das instituições. Haverá uma injeção de gente nova aparentemente com outro fôlego, outra mentalidade, outras ideias, outra mundividência, outra compreensão das coisas. E um novo recomeço.
Sinceramente, acho que é isso que o Benfica precisa.

Sérgio mais competitivo

SÉRGIO CONCEIÇÃO está a caminho do segundo campeonato em três anos à frente de um plantel que a maioria da Crítica, com razão, considera inferior ao do Benfica. Lembre-se que antes de Sérgio o FCP estivera quatro épocas seguidas (2013/2014: Paulo Fonseca e Luís Castro; 2014/2015: Julen Lopetegui; 2015/2016: Lopetegui e José Peseiro; 2016/2017: Nuno Espírito Santo) sem ganhar qualquer título. O FC Porto está longe de jogar um futebol convincente e muito longe do brilho e da qualidade que o seu futebol indiscutivelmente tinha no início desta década; mas tem competido melhor do que o Benfica no triénio de Conceição - não é uma opinião, são factos, veja-se o que o FCP tem feito na Liga, nas taças domésticas e na Champions e compare-se com o correspondente registo benfiquista. Vieira pode dizer entre amigos que o Benfica podia - e devia - ter ganho estes três últimos campeonatos e não deixa de ter razão. Mas Sérgio também pode dizer o mesmo e acrescentar que na Champions, a prova onde se percebe quem é quem no contexto europeu, o Benfica não passa da fase de grupos há três anos e ele, no mesmo período, levou o FCP aos oitavos e aos quartos de final com recorde de pontos e de receitas (€80 milhões) pelo meio. O FCP de Sérgio não é agradável à vista, mas é indiscutivelmente mais competitivo que o Benfica. O que é uma proeza num tempo em que o Benfica parece mais forte.