Toxicidade!

OPINIÃO01.08.202004:00

Muito se falou esta semana de ambiente de toxicidade, como se se não fosse esse o ambiente normal do futebol. O futebol está cheio de produtos tóxicos e pessoas tóxicas. Aliás, se o mundo, por um lado, anda a ser varrido por um vírus chamado Covid-19, nascido ou inventado, sabe-se lá onde e por quem, anda, por outro lado, a ser destruído nos princípios e valores que deviam fundamentar e sustentar as sociedades e as instituições! Não nos podemos admirar que o mundo futebol não seja diferente desse outro mundo!

Esta semana, porém, livres da intoxicação mediática do regresso de Jorge Jesus, que passou de tóxico a novamente amado por alguns dos muitos que se haviam tornado alérgicos, a toxicidade de que se falou foi «esse ambiente de toxicidade que se foi criando à volta deste tipo de programas, e para o qual contribuiu muito os próprios clubes e as suas máquinas de comunicação...». É aliás o que consta do comunicado da SIC subscrito pelo seu director de informação, Ricardo Costa, onde de se concluiu pela descontinuação dos programas  O Dia Seguinte, onde participei desde o início em 2003 até 1 de Abril de 2013, e o Play Off!

Uma coisa apenas não merece a minha concordância: que os clubes tenham contribuído muito para esse ambiente. Não foi muito! Foi totalmente!
O primeiro programa do género, como todos se devem lembrar, foi na RTP e teve como protagonistas, além do moderador Paulo Catarro, Fernando Seara, Guilherme Aguiar e eu próprio. Procurando na internet alguma informação sobre esse programa de há 25 anos, deparei com uma notícia da Sapo, de 3 de Março de 2019, a propósito de um revival ocorrido por ocasião dos vinte anos da constituição da Associação Portuguesa de Direito Desportivo, de que sou sócio n.º 1 e o meu amigo Paulo Relógio o n.º 2. Com a devida vénia, transcrevo tal notícia:

«Tinha cabelo e bigode. Hoje não tenho nem cabelo, nem bigode.» Fernando Seara, conhecido no espaço televisivo como o careca do Benfica recorda os primeiros anos de televisão e os primeiros programas de Jogo Falado, um teledebate apresentado por Paulo Catarro que moderava um «espaço vivo e de sã conversa desportiva», nos «limites do bom senso e do bom gosto» e no qual o «futebol é vedeta», assim se apresenta no site da RTP. Guilherme Aguiar (adepto do Porto), com bigode, então, e Dias Ferreira (Sporting), de barba e algum cabelo, eram os outros protagonistas. Estávamos em 1995 e o programa era gravado e transmitido, em diferido, na RTP2. Só posteriormente passou a direto, a 13 de março 1996, para as noites de segunda-feira, em direto, na RTP1.

Hoje, 2019, Seara, já admitiu, perdeu cabelo e bigode, Guilherme Aguiar perdeu igualmente o manto debaixo do nariz (e algum cabelo) e Dias Ferreira, bom Dias Ferreira, ganhou a cor branca na barba e cabelo. Paulo Catarro, esse, mantém-se igual no que toca à questão capilar mas ganhou alguns quilos.

Os quatro juntaram-se no hotel da Estrela, em Lisboa. Revisitaram o programa Jogo Falado, pioneiro no género de debate sobre desporto e futebol, durante a conferência Portugal jurídico-desportivo, 20 anos depois, evento comemorativo dos 20 anos de existência da Associação de Direito Desportivo 1998-2018.
«Começamos na RTP2, hoje estamos na RTP Memória», ironizou Paulo Catarro, sobre o programa que nasceu de uma ideia de Mário Rui de Castro, então chefe do departamento de Desporto da estação pública de televisão.

«Cada um estava a representar-se a si próprio. Hoje (os comentadores) assumem uma posição oficial (dos clubes). Antes nenhum deles tinha cartilhas. Falavam de um tema que eu escolhia durante a semana», comparou.

«Não tínhamos cartilha. Tínhamos a nossa paixão de clube que era conhecida», reforçou Guilherme Aguiar, que percorreu «310 km» a que se seguem outros tantos «a seguir» uma vez que era o «único representante do norte para reviver este painel (que não se chamava assim na altura) sem sermos paineleiros».
Não é preciso dizer mais nada, mas apenas confirmar que éramos absolutamente independentes das direcções dos respectivos clubes e, se de alguma coisa nos acusavam era disso mesmo, como foi o meu caso!

Em 2003, a SIC Notícias, que ainda hoje tenho no meu coração, até pelos muitos amigos que lá deixei, e outros que foram para outros lados, resolveu recuperar aquele formato de programa desportivo, sob o título de O Dia Seguinte e a moderação de Pedro Mourinho. Os comentadores eram os mesmos e, todos nos orgulhamos, das audiências que obtivemos para o programa,  e mesmo para a SIC Notícias. Não é vaidade, é um facto!

Contudo, é mesmo na SIC que se verifica a primeira intromissão de um presidente de um clube, em directo, ao vivo e de cor vermelha: em 2004, o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, invadiu o estúdio sentando-se ao lado do moderador Pedro Mourinho. O motivo da interrupção foi a inscrição alegadamente irregular do jogador Ricardo Rocha, que LFV considerou necessitar de um esclarecimento ao vivo, e que redundou num acto da maior desconsideração para com Fernando Seara, que só teve paralelo quando foi substituído no programa Prolongamento pelo aparelho de comunicação daquele clube, pelo cartilheiro-mor, cujo nome me dispenso de pronunciar!

Seara, quando foi para a TVI, cedeu o seu lugar a Rui Gomes da Silva, que, sendo membro da Direcção do Benfica e administrador da SAD, não precisava de cartilha, limitando-se a ser um porta-voz dessa mesma cartilha! Hoje, se calhar, e por ironia do destino, vai ser vítima dessa cartilha!

Nos últimos anos foi por demais clara a estratégia dos clubes e das suas direcções de comunicação de procurarem interferir na escolha dos seus representantes nesses programas e o Benfica foi ainda mais longe organizando com profissionalismo, mas muita falta de pudor, uma cartilha a distribuir pelos comentadores afectos, que atingiu o seu auge quando Jorge Jesus saiu para o Sporting, e que agora está a ser reescrita, com tanta ou mais falta de vergonha, embora com honrosas excepções!...

A moda pegou, e das guerras das direcções de comunicação começaram a fazer parte, como soldados, alguns comentadores, que assim deixaram de ser, limitando-se a ser eco de directrizes superiores. E a partir daí, na minha modesta opinião, programas de informação passaram a ser programas de entretenimento! E, assim, enquanto programas de informação esgotaram, porque optaram pela contra-informação!

Por isso, eu digo, que os clubes, e em especial o Benfica, não contribuíram muito, mas totalmente, para este ambiente de toxicidade.
Ricardo Costa afirma, e estou de acordo, que é preciso dar o salto em frente e continuar a acompanhar o desporto e o futebol. Sabe RC mais de televisão e informação a dormir, que eu acordado. Mas permita-me que lhe faça uma sugestão, como faço aos leitores: vejam os programas italianos sobre desporto, onde a estética dos personagens e o conteúdo dos seus comentários, entretêm e informam!
 
Responsabilidade

Na política, como no futebol, estou farto de ouvir os dirigentes assumirem responsabilidades por determinados factos ou acontecimentos, mas, de uma forma geral, não tiram quaisquer consequências dessa assunção de responsabilidades.

Na política, e assim de repente, apenas me lembro do caso de um ministro, Jorge Coelho de seu nome, e meu ilustre consócio, que assumiu a responsabilidade política da tragédia de Entre-os-Rios, e se demitiu, não tendo mais - se bem me lembro - assumido qualquer cargo de natureza pública, muito menos governativa. Por isso, tenho grande admiração por ele, ainda que não seja do meu partido político!

Vem isto a propósito da entrevista de Frederico Varandas, que aliás já vi qualificada de embuste, no qual assume responsabilidade pela má época do Sporting, o que de resto é uma verdade de La Palice, da qual não tira quaisquer consequências!

Há quem caridosamente aplauda a coragem de tal afirmação, como se não fosse uma evidência. Não posso estar de acordo, a não ser que se refiram apenas a coragem física que não ponho em causa. Coragem moral - a verdadeira coragem - que está na decisão para romper com interesses e erguer a voz da consciência acima de tudo e de todos, seria reconhecer que foi incompetente e arrogante e daí tirar as naturais consequências!