Tomada do poder em marcha
Mais uma vez ficou demonstrada a pouca utilidade do Departamento de Comunicação Institucional do Benfica ao nada elucidar acerca de badalada ocorrência na última Assembleia Geral e por via dessa omissão contribuir para que o nome do presidente ficasse esparralhado na praça pública.
Bati a várias portas e julgo ter recolhido informação suficiente com o mínimo de credibilidade sobre o que realmente se registou, porque aquilo que, habilidosa e apressadamente, foi plantado no exterior não passou de bem urdido instantâneo para massacrar a idoneidade de Luís Filipe Vieira.
Depois do orçamento ter sido aprovado por expressiva maioria, no período destinado às intervenções dos associados inscritos o caldo entornou-se quando um deles se excedeu nas graçolas e o presidente se sentiu atingido na sua boa consciência, reagindo por impulso.
Quem não se sente não é filho de boa gente, diz o povo, mas, mesmo assim, Vieira tem de controlar as suas emoções no futuro, por ser previsível que provocações como esta se repitam. Além de não dever expor-se às impertinências de um jovem que ali foi para se armar em engraçado e ser falado.
Pude concluir que ninguém bateu em ninguém, apesar do que se fez constar. No entanto, para sossego das sensibilidades mais incomodadas, a agitação, a discussão e a confrontação, às vezes até física, traduzem a imagem diferenciadora das assembleias do Benfica, em nome da liberdade de expressão que foi sempre a bandeira do emblema da águia. E, no passado, quando algum orador se descontrolava no vocabulário imediatamente se ouvia um barulho reprovador na sala, isto é o Benfica. As mentalidades mudaram, porém, reconheço…
Não me peçam pormenores que já se me escaparam, mas entre 82 e 83, por aí, gerou-se uma forte concorrência para destituir o presidente Fernando Martins. Vivia-se um tempo em que assembleias havia que duravam quase até ao nascer do sol. Numa delas, os opositores impuseram que se votasse a destituição. O juiz Araújo e Sá, presidente da Mesa na altura, foi arrastando os trabalhos até perceber que daquela madrugada não conseguiria escapar. No pavilhão principal do antigo Estádio da Luz o alvoroço era intenso e, de repente, como solução última para salvar Fernando Martins do afastamento, levantou-se e proclamou que, não havendo condições para prosseguir em resultado da incontrolável turbulência entre os presentes, dava por encerrada a sessão. Imediatamente, abandonou o local. Quem lá esteve deve lembrar-se das cenas seguintes. Que vendaval de bordoada, sem seguranças pelo meio, apenas sócios contra sócios, mas todos em defesa da mesma causa, o Benfica. Como se resolveu o problema? Aliviadas as tensões, os sócios no local, que eram muitos, sentaram-se e pediram ao juiz Adriano Afonso para assumir a presidência da assembleia e proceder à votação, ao que este informou, com eloquência e serenidade, que ficaria até ao nascer do dia, se fosse preciso, para falar de assuntos do clube, a partir daquele momento como reunião de associados, porque, legalmente, a assembleia fora encerrada pelo presidente da Mesa eleito e único com poderes para o determinar. Espantosamente, a mesma plateia dividida e desavinda ouviu em silêncio e aplaudiu como se nada tivesse acontecido antes.
Já o afirmei em A BOLA TV, mas quero partilhar a mesma ideia com quem faz o favor de me ler neste espaço. Depois de Luís Filipe Vieira, na entrevista à TVI, ter anunciado que vai recandidatar-se nas eleições do próximo ano, era previsível que alguma coisa de anormal poderia advir neste primeiro ato público imediatamente após essa comunicação.
Sabe Vieira, toda a gente sabe, que, de há muito, anda um grupo contestatário a atenazar-lhe a paciência e as assembleias são oportunidades imperdíveis pelo eco que recebem nos meios de comunicação.
Admito que daqui em diante os dissidentes serão mais acintosos e criativos nas suas aparições na medida em que o incidente suscitado mais não foi do que o primeiro sinal de uma tomada do poder em marcha. A conjuntura invulgarmente favorável anima oportunismos e aventuras: infraestruturas de excelência, estabilidade financeira e hegemonia futebolística recuperada. A partir de agora será um fartote de má-língua no esgoto das redes sociais onde nascem e crescem os heróis anónimos da era moderna, como o desta assembleia.
Até a esperança de Vieira em recolocar o Benfica numa final da Liga dos Campeões serve de troça aos seus detratores, cabendo aos sócios bons batalhar para que ele não desista dessa cruzada, por respeito à história da águia e aos campeões europeus ainda vivos. A exigência deve ser máxima e persistente, socorrendo-me, a propósito, do artigo assinado pelo jornalista Fernando Urbano em A BOLA do último sábado (pág. 45).
Escreveu ele: «Ao contrário do FC Porto de Pinto da Costa, o Benfica de Vieira não tem uma cultura europeia. Caso contrário Rui Vitória não teria continuado em 2018 depois da pior participação de sempre de um clube português na Liga dos Campeões (…). Tivesse RV saído sob o pretexto (público e assumido) de uma Champions de horror, talvez em 2019 Bruno Lage não arriscasse em colocar segundas linhas frente ao RB Leipzig.»