Todas as cartas de amor são ridículas?
Peço desculpa por esta entrada impetuosa. Invoco, desde já, a meu favor, uma circunstância (muito) atenuante: quem primeiro disse tal coisa, imortalizando-a de seguida, não fui eu, foi o nosso Fernando Pessoa. Para ele todas as criticas deverão ser dirigidas. Limitei-me a reproduzir esse genial dizer, tentando fazê-lo com a propósito em cumprimento do meu propósito. Mas que propósito é esse, perguntarão com legitimidade. Esclareço com a devida vénia. O de comparar as missivas em causa com as teorias da conspiração. Aferindo as duas entidades, concluiremos, sem hesitações, que, a serem ridículas as nobres e sentidas cartas de amor, então as teorias da conspiração estarão no patamar habitualmente designado por abaixo de cão, salvo o devido respeito pelo simpático animal em causa. A coisa é grave, porquanto, hoje em dia, as epístolas produzidas pelos apaixonados estão em vias de extinção, dando lugar às moderníssimas formas alternativas de expressão. Gostaria de ter podido ver Roland Barthes a analisar o novo discurso amoroso, agora sim produzido em fragmentos, espalhados em doses variáveis entre o correio eletrónico e as SMS. Isso já não será possível infelizmente para a literatura. Talvez um dia outro génio o faça. O grave, porém, é que a correspondência mais cor de rosa baqueou face à concorrência. Foi, como se diria no jargão económico amplamente revista em baixa. Por seu turno as teorias da conspiração nunca estiveram tão viçosas. Há-as para tudo. Para quem diga qualquer coisa, para quem não diga nada, para quem se candidate, para quem não se candidate e mesmo para quem se limite ao básico respirar, visando assegurar os mínimos desta vida. Perante um qualquer facto comezinho nasce logo um oráculo, iluminado a carvão, pujante nas suas explicações, que, regra geral são apenas patéticas, mas que surgem com uma pesporrência e uma convicção tais, que até parecem ser verdade. Bem avisou António Aleixo que, para a mentira ser segura e atingir profundidade, tem de trazer à mistura qualquer coisa de verdade. A receita tornou-se tão acessível, que nem precisa da Bimby. Pega-se numa ou duas verdades, dá-se-lhes uma sequência ardilosa, salga-se com informação comburente, que faz as vezes da malagueta e, quando a coisa está no ponto, com o palato neutralizado, adicionam-se a mentira e a insídia. De seguida embeleza-se o prato, empacota-se e divulga-se pelos meios hoje laicizados. No dia seguinte, ou, com alguma sorte, no próprio dia, a coisa ganha peso comunicacional, ocupa espaço, gera falatório, marcando a agenda e pode até fazer manchetes. Quando o efeito pretendido passa, porque o palato e os sentidos em geral se repõem, dispara-se outra teoria. A coisa passa bem mesmo com os condimentos já fora de prazo e com claros vestígios de fuligem à mostra. Tem é de se lhe dar uma aspeto grave, como se nascida de uma investigação proficiente e não apenas só uma descarga biliar. O aspeto é muito importante. Para melhor se perceber a coisa, veja-se, por exemplo, a consagrada oração do homem adúltero, que reza, passe a expressão, desta sorte: meu Deus que eu não faça; se eu fizer que ela não saiba; se ela souber, que não se importe. A citada oração, além do mais com um moderno cunho multiusos, perfeitamente adaptável a todos os géneros e circunstâncias matrimoniais, parece mesmo uma prece genuína. E, com um ámen no fim, qual cereja no topo do bolo, quase passaria despercebida numa cerimónia a sério. Mas, em regra, não o será. Por isso não deverá ser tomada como tal. A coisa não chega a ser sacrilégio. Será apenas mentira e falsidade provinda de maus fígados e piores intenções. Mesmo não sendo pecaminosa, tem de ser rejeitada na mesma. Como bem diz o povo, as aparências iludem e, por isso adverte, que com a verdade me (se) enganas (engana). Por alguma razão se louva a luz em detrimento das trevas. Num momento em que se abre o debate eleitoral no Sporting é fundamental mantê-lo no hemisfério das luzes. Afinal se as teorias da conspiração são, elas sim, ridículas, as cartas de amor não o são afinal. Isso mesmo concluiu Pessoa. E terminou com este magnífico epílogo: todas as palavras esdrúxulas, como os sentimentos esdrúxulos, são naturalmente ridículas.
Já tivemos futebol
NO jogo com o Marselha a equipa forneceu indicações promissoras. Surgiram sinais de automatismos em desenvolvimento e alguns jogadores exibiram-se já a bom nível, se considerarmos a fase precoce em que estamos. Tudo é naturalmente incipiente. Mas parece haver ali a semente de coisas boas. O empate foi injusto, porque mereceríamos ter ganho. O erro de Viviano influenciou muito o resultado. Espero que uma entrada tão infeliz nas estreia não marque o jogador nem comprometa aquilo que todos desejamos, isto é, que ele ajude o Sporting a triunfar. Desejo-lhe felicidades. Crucificá-lo seria uma atitude niilista e absurda. O tempo dos tiros no pé deve ser abolido e exilado. Pareceu-me, todavia, correta, a contratação de Renan. A concorrência é vital e a baliza não foge à regra. Independentemente de tudo o que ocorreu na fase final do nosso relacionamento e que é de todos conhecido, Rui Patrício era e é um excelente guarda-redes, que temos, rapidamente, de substituir, mantendo o mesmo nível de segurança e, se possível, incrementando-o. Já anteriormente aludi ao facto de esta época estar a ser preparada em moldes muito sui-generis. Como que repescámos a tipologia dos governos provisórios, refazendo algo que ocorreu pouco depois da revolução de abril. Quem for eleito no dia 8 não será responsável pelas opções tomadas. Todavia há uma coisa que me parece óbvia. É crucial que entremos no campeonato a ganhar. Vencer todos os jogos até 8 de setembro, mais do que uma homenagem à atual liderança, ou um preito de aprovação ao seu trabalho, será, isso sim, um tónico potente para o resto da época. Imperativo se torna apoiar a equipa com toda a energia, desiderato que, julgo eu, unirá todos os candidatos aos sócios e aos adeptos. No próximo domingo teremos uma nova oportunidade de manifestar este nosso estado de alma, quando recordarmos os cinco violinos no confronto com o Empoli. Lá nos encontraremos.