Títulos há muitos e roedores também...

OPINIÃO27.11.201800:25

1 - Sofridamente e com o generoso contributo de coração de muitos sócios e adeptos, a venda de obrigações do Sporting Clube de Portugal aproximou-se do valor estimado de 30 milhões de euros.


Esta operação foi lançada num momento muito complexo da vida do clube e num contexto sobejamente arriscado. Segui-a com interesse analítico e, também, pelas repercussões que poderá ter para futuras operações semelhantes dos principais clubes.

De um modo geral, as SAD vivem acima das suas possibilidades, acumulando enormes passivos e só superando desequilíbrios operacionais com recurso a receitas não recorrentes. Até ao espoletar da crise, os elevados passivos eram, sobretudo, bancários. Esse tempo de generosidade banqueira acabou. Aliás, se o anterior critério da banca para financiar clubes fosse generalizável a outros mutuários, já não haveria bancos ou, havendo-os, éramos nós todos que estaríamos de tanga por via fiscal. Por isso, os clubes, uns mais expeditos do que outros, têm procurado diversificar as suas fontes de financiamento, abrindo, designadamente, as portas a empréstimos obrigacionistas. Na minha opinião, uma boa mudança. Primeiro, porque sujeita ao risco de mercado e, assim sendo, mais escrutinável quanto às expectativas e garantias do clube devedor. Segundo, porque a sua sequência, seja de novas necessidades, seja de substituição de dívida vencida, exige práticas sustentáveis que evitem consequências danosas na confiança do mercado.

Esta emissão leonina teve o mérito de ser a cobaia de um caso sensível. Observou-se a incomodidade dos dirigentes quando se aperceberam das dificuldades em colocar uma emissão que não estava respaldada pela anterior prática de tomada firme de bancos. Daí o seu pungente apelo ao universo do SCP, o que bem se compreende. O que já não se entende é a crítica feita aos bancos que - cito - «estão completamente passivos no que toca à comunicação e comercialização da oferta». Terão ignorado que, agora, as restrições e limites dos bancos e seus empregados são para levar a sério? Depois da crise e de muitas irregularidades e vendas de gato por lebre nos mercados financeiros, trancas à porta. Agora, há uma Directiva europeia dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF), que impõe regras, formação, registos, clareza e transparência de quem vende os produtos, a que acrescem uma mais atenta supervisão e um sistema sancionatório que não é propriamente suave. Aliás, o próprio prospecto de venda publicitado revelava as necessárias cautelas perante uma instituição, o SCP SAD, que, desde logo, não cumpre o requisito essencial do artigo 35º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), pois que o capital próprio é muito inferior a metade do capital social.

As SAD têm fragilidades evidentes e públicas. Não só quanto ao referido preceito do CSC, como quanto às dificuldades associadas à vulnerabilidade de Balanço e da Conta de Resultados. No caso do SCP, verificou-se, aliás, e pela primeira vez, um evento de crédito (eufemismo técnico para calote) quando a anterior direcção não honrou os seus compromissos e não pagou os 30 milhões que se haviam vencido. Acresce que, em maior ou menor grau e com diferentes naturezas, há contingências, riscos, pendências (no Sporting são bem evidentes) que tornam estas aplicações financeiras objectivamente arriscadas. Além de que o uso e abuso de antecipar receitas mais não é de que juntar mais passivo aos exercícios futuros.
Por outro lado, tornou-se mais restritivo e difícil o acesso a uma receita fundamental para os grandes, qual seja a de poder disputar a Liga europeia dos campeões.
A emoção e o sentimento ligados ao futebol são fundamentos da perenidade e da substância dos clubes, mas temos de reconhecer que os tempos são outros e que a racionalidade gestionária é decisiva para o futuro. O romantismo de se pensar que, em tese, um candidato à liderança de um clube é avaliado em função do treinador que traz consigo, do jogador X ou Y, secundarizando as restrições financeiras é meio-caminho andado para o insucesso.
Esta situação - inédita nas SAD - de a procura não ter chegado à oferta de obrigações (mesmo com uma taxa de juro mais elevada) sinaliza o imperativo de tratar estes assuntos como fundamentais e de assumir a redução sustentada do passivo financeiro, sob pena de, entre emoções, claques e bolas na trave, tudo se esfumar.
 
2 - Foi uma vitória triste a do Benfica ao eliminar in extremis o Arouca. Um jogo de um cinzentismo que custa a compreender. Vi onze jogadores, não vi uma equipa, o que muito me intriga com profissionais que, na sua larga maioria, jogam há muito tempo juntos. Exceptuando Jonas, Rafa e Seferovic, foi uma equipa lenta, repetitiva, sorumbática, onde nem sequer os que não costumam ser titulares procuraram mostrar o que possuem (ou não) para serem jogadores do e à Benfica. Percebo que esta ideia peregrina de fazer pausas excessivas no decorrer do campeonato e a debandada geral de jogadores para o turismo de selecções (alguns fazem mesmo só a viagem, porque não jogam) não facilita nada o trabalho sistemático nesta fase da época. Mesmo assim nada pode justificar uma das mais pobres exibições dos últimos tempos. Como facto positivo, gostei que, onze meses volvidos, Krovinovic tivesse regressado aos relvados, mas já não gostei do modo anárquico como aparentemente o mandaram jogar, numa posição que nunca foi a sua. Aliás, não percebo por que razão, depois de longas paragens, os atletas não fazem uns jogos na equipa B, em vez de só aquecerem o banco de suplentes da equipa principal, tal e qual aconteceu ao croata. Bem sei que a equipa B não é sinónimo do que antes se designava como as reservas, que tinham o seu campeonato distrital e onde nos tempos idos vi por lá passarem craques indiscutíveis para, após paragens forçadas, ganharem ritmo. Mas o caso de Krovinovic talvez pudesse assim ter sido considerado, para acelerar a plena recuperação.  


Hoje é o dia em que tudo se ditará na Champions encarnada. Em Munique, logo à noite, ou o Benfica eleva substancialmente os seus níveis de desempenho, motivação e concentração, ou vê tornada definitiva a sua passagem para a Liga Europa, como é mais previsível. Não é que as estatísticas ditem mecanicamente o futuro, mas, se não me engano, o Benfica nunca ganhou ou sequer empatou em Munique…

3 - Absolutamente lastimável a divulgação de depoimentos no debate instrutório do processo conhecido por e-toupeira! Em menos de 48 horas, canais televisivos transmitiram-nos e nada acontece às toupeiras mediáticas e seus acólitos que continuam sistematicamente a violar os mais elementares deveres de segredo de justiça. De tal modo, que a grosseria virou normalidade, a ilegalidade ganhou audiência e a criminosa falta de ética é premiada. Argumentarão os infractores que se está perante a supremacia do interesse público sobre a infracção cometida e que os fins justificam qualquer meio, mesmo que ilícito, ilegítimo e desonesto. É uma falácia. E certamente - como em casos anteriores - tudo vai desaguar num novo inquérito e, no fim, tudo ficará em águas de bacalhau. O edifício judiciário, com passwords em regime caduco e liberal, parece ser alvo fácil da pirataria informática, não tendo condições para salvaguardar as garantias básicas dos cidadãos. Paradoxal é que quem mais explora um caso apelidado de toupeiras seja quem mais usa incolumemente (e a que preço?) um exército de toupeiras e ratazanas. Onde isto chegou!