Teresa Machado

OPINIÃO01.03.202003:00

LEMBRAS-TE, Teresa? Vieste, a crescer para mim, iracunda, no clamor que soltaste: «Achas bem o que escreveste?» Fugindo-te a alma de lá, escapara-te a força do braço: não chegaste à final daquele Mundial e eu pintara de negro o teu disco a pouco voar, ali. (Vou dizer-te agora: tive medo que me desses um soco - mas isso era impossível em ti, a Boa Gigante...) E sim: tinhas razão: não devia ter escrito o que escrevi (tão crítico) até porque não havia lançadora a lutar contra destinos acres como tu lutavas. Vieras do Galitos para o Sporting, continuavas a penar na fábrica de confeções, para fazeres musculação o Júlio Cirino dava-te sacos de areia ou barras de ferro com latas de cimento - e o que eu me deliciei quando me revelaste depois: «Não havendo pista, tive de treinar na praia e lançar num parque de estacionamento, com o prof. Cirino a dar-me indicações através da janela do seu trabalho. Havendo por lá velhote que implicava connosco, chamou a polícia, dizendo que andava matulona a atirar umas m... para o ar - e lá teve de ir o prof. à esquadra.»


O teu fulgor internacional forçara a que, enfim, te dispensassem da fábrica - e se criasse zona melhor para tu lançares, te abrissem um ginásio. Era o mínimo que te podiam fazer (ou dar em condições) - e passei a ouvir de adversárias tuas no disco: «Não há no Mundo lançadora tecnicamente mais perfeita que a Teresa Machado». Nunca mais falei de ti em fiasco: foste finalista em Europeus e Jogos Olímpicos, nos Mundiais de Atenas não ficaste longe da medalha - e nós continuámos a não te merecer: antes de deixares de lançar, à beira dos 40 anos (campeã de Portugal 53 vezes no peso e disco!), tiveste de ir trabalhar em limpezas. Para sobreviveres e poderes estudar. Formaste-te em fisioterapia e era já essa a tua lide na última vez que nos encontrámos. Vivias sem queixumes ou rancores - e continuavas com o coração maior que o corpo que ameaçava já trair-te, cruel (e o espaço que me resta nesta coluna é espaço para as lágrimas por ti - que não cabem aqui, Teresa...)