Tempo de véspera no Benfica

OPINIÃO08.01.201903:07

1 - Tem sido um fartote! Abro a televisão, faço um rápido percurso pelos canais de informação e desportivos, e é um ver se te avias. Fala-se e especula-se horas a fio sobre o futuro treinador do Benfica. De supetão, há-o para todos os gostos. Vejamos: em regime de solução doméstica temos Bruno Lage (para um jogo, talvez para 15 dias, quem sabe se até ao final da época), Luís Castro e Abel Ferreira. Sobre portugueses emigrados, o cabaz é bem maior, a começar no inevitável Jorge Jesus (com ‘sondagens’ pró e contra à esquina de casa ou do café e quase apresentadas como ciência exacta), passando até por José Mourinho, e não esquecendo Marco Silva, Paulo Fonseca, Leonardo Jardim, Rui Faria, Vítor Pereira (!), Paulo Sousa (!). Ouvi, ainda que em jeito de relâmpago, uma extensa fileira de estrangeirados: Arsène Wenger, em estilo de reforma, Laurent Blanc, Philippe Cocu, Zidane, António Conte e até - imagine-se - o ‘saudoso’ Lopetegui!

Rui Vitória tinha o destino traçado. Homem discreto e sensato, não mostrou o carisma necessário para o que chamava a ‘retoma’. Por ingenuidade ou boa-fé, aceitou ser readmitido depois de despedido em regime ‘overnight’ e, a partir daí, a única variável não era se, mas apenas quando sairia. A luz que guiou o presidente do Benfica não advinha de energias renováveis. Era uma artesanal lanterna de poucas pilhas que, no espaço de poucas semanas, se esgotaram.

Bem sei que treinador despedido é, nos dias seguintes, treinador esquecido. Como benfiquista, porém, tenho o dever de gratidão. Foi ele que comandou a equipa no tricampeonato e no até então inalcançável tetra, foi ele que alcançou os quartos de final da Champions só sucumbindo pela diferença de um golo frente ao Bayern, foi ele que conquistou, no espaço de dois anos, todos os troféus internos além dos campeonatos (Taça de Portugal, Supertaça [2] e Taça da Liga). Foi ele que trouxe para primeiro plano, jogadores jovens como Ederson, Nélson Semedo, Renato Sanches, Lindelöf, Gonçalo Guedes, André Horta (todos transferidos com largo retorno financeiro), a que se juntam, entre outros, João Félix, Gedson e Rúben Dias.

Nos dois primeiros anos no clube, Rui Vitória ganhou tantos campeonatos como o Sporting em 36 anos. Glosa-se abundantemente sobre as conquistas de Sérgio Conceição no Porto que, no primeiro ano, ganhou o campeonato e é provável que o volte a repetir no segundo ano. No entanto, que diferença comunicacional entre as constantes loas ao técnico portista e a ingratidão a Rui Vitória que fez exactamente o mesmo (ganhando, provavelmente, até mais troféus nas duas primeiras épocas…)! E já agora, porque também é factual, Vitória, ao ganhar dois campeonatos nas suas 4 épocas (ou melhor 3 e meia), superou Jorge Jesus que, no mesmo período, só ganhou na primeira temporada e, verdade seja dita, com plantéis muito melhores do que agora.

É por demais evidente que a partir da 3.ª época tudo correu mal. Ainda hoje, tenho dificuldade em compreender por que razão o clube desinvestiu brutalmente na época em que poderia ter chegado ao pentacampeonato. Provavelmente, Rui Vitória, por feitio ou opção, não foi suficientemente forte para ‘dar um murro na mesa’ e não se resignar a um plantel sofrível, sobretudo se comparado com épocas anteriores. E, além de erros comunicacionais, foram mal geridos o ‘folhetim Luisão’ e a arrastada ‘novela Jonas’.

2 - Nesta fase de estertor, a equipa não melhorou. Teve um jogo em que tudo lhe correu bem (contra o Sp. Braga) e alguns outros em que tudo lhe correu mal (designadamente contra o Belenenses SAD). Atípico foi, pois, o impensável 6-2. O resto foi um arrastar triste de uma equipa que verdadeiramente não acreditava em si própria.

Em Portimão, foi a ‘retoma’ do jogo cinzento, chato e lento do Benfica e a aposta num sistema táctico de 4-3-3 totalmente previsível, proporcionando ao adversário mais uns ‘borregos’, tais como terem chegado ao fim de um jogo caseiro sem sofrer golos (curiosamente face ao ataque com mais golos marcados) e terem batido o SLB pela primeira vez na sua história.

Curiosamente, os três melhores jogos foram com os mais chegados rivais: Sporting (apesar do empate), Porto e Braga. Ao invés, 11 dos 13 pontos perdidos foram em partidas contra equipas em que se suporia vencer (Chaves, Belenenses, Moreirense e Portimonense) e onde, no total, se marcaram 3 golos e se sofreram 10! A equipa não entrou devidamente concentrada em jogos aparentemente mais fáceis e abusou da crença de que, tarde ou cedo, resolveria as partidas.

Este ano, as contratações foram (ou aparentam ser) um fiasco, a que Vitória não é alheio. De 9 ou 10 recrutados ou regressados, só o guardião Vlachodimos é titular. A vinda de dois argentinos para o eixo central da defesa foi, ab initio, destinada ao fracasso, quando, na pré-época, o treinador anunciou publicamente que Jardel e Rúben Dias seriam sempre os titulares. Havia necessidade de tal proclamação, que, decretada praticamente no minuto zero dos ‘reforços’, diferenciou jogadores de primeira e de segunda? Ferreyra é um enigma. Não tendo nós, de fora, outros elementos, como se aceita que um jogador com um apreciável currículo tenha sido ostracizado sem mais, ao ponto de nem ir para o banco ou jogar contra o Montalegre? Gabriel - creio que vindo para a Luz por insistência de Rui Vitória - não tem tido sucesso, de tal forma que obriga o menino Gedson a horas extraordinárias e a um desgaste que foi evidentíssimo em Portimão. Corchia será assim tão distante de André Almeida que tem atravessado períodos de notória falta de forma? E porquê contratar Castillo para substituir o emprestado Jiménez que tem brilhado em Londres? Por sua vez, João Félix tinha - até sábado - jogado apenas uns minutinhos fora do seu lugar natural e com a responsabilidade (que ainda não pode ou não deve arcar) de ser o salvador perante resultados negativos. Por fim, Samaris eclipsou-se, sem que tal situação se possa explicar facilmente.

Desde a sua readmissão, Vitória não rodou minimamente a equipa, mesmo nos jogos da Taça de Portugal e da Taça da Liga. Legitimamente, direi eu. Pois se o homem passou a estar sempre na corda bamba, ao menos subconscientemente procurou defender-se. Mas isso provocou desgaste desnecessário em jogadores como Rúben Dias (ao que parece o jogador que na Europa e esta temporada tem mais minutos nas pernas!), Pizzi, André Almeida e Fejsa.

3 - Estreou-se Bruno Lage. Com uma vitória saborosa e declarações sensatas. Em similitude numérica: 4-2 através de um 4-4-2. João Félix ‘en su sitio’. Ferreyra ressuscitado. Atrás, ainda muito a melhorar…

No momento em que escrevo, falta o novo treinador. Não entro no jogo de apostas. Mas que, pelo menos, não seja nenhum máximo divisor comum nem um tão-só mínimo denominador comum…