Tempo de pensar!...
Logo a seguir a terem terminado as eleições de Setembro passado do Sporting Clube de Portugal, após um período de inédita e dramática instabilidade, que aliás parece ainda não ter terminado, afirmei, e não me tenho cansado de o repetir, que o meu tempo acabou, isto é, o meu tempo de dirigente desportivo executivo, que hoje se circunscreve à Presidência do Special Olympics, um canto muito especial da minha paixão pelo desporto.
Mas o meu tempo de pensar e reflectir sobre as coisas e os acontecimentos não acabou, porque isso só se verificará quando não tiver saúde física ou mental para o fazer. Tal como não acabou o meu direito de exprimir livremente o pensamento, pelo qual lutei, não tanto como muitos outros, durante a minha juventude. Continuarei frontal, sincero e, hoje, mais do que nunca, sem calculismo ou o objectivo do politicamente correcto!
E, neste final de época desportiva ou princípio de outra, não estou - digo-o sinceramente - muito preocupado com o «este ano é que é» ou outros assuntos relacionados com o futebol, como as transferências de jogadores, mas sim com o futuro do meu clube, num todo, incluindo a SAD. Duas vitórias, em três das competições do futebol indígena e a passagem da fase de grupos da Liga Europa, nas circunstâncias difíceis que todos conhecemos, satisfaz o meu orgulho de leão ferido, embora não abatido, mas não me retira a capacidade, nem a lucidez e a humildade de reconhecer que a nossa distância para os nossos rivais nacionais e internacionais se não se alargou, pelo menos não encurtou. Estamos manifestamente atrasados e era a forma de recuperar com a rapidez que os tempos exigem que eu gostava de ver transportada para um projecto com princípio, meio e finalidade. Um projecto nunca acabado, mas que se exige sempre renovado, de acordo com o desígnio de ser um dos maiores da Europa.
Não guardes para amanhã o que podes fazer hoje, dizem os populares, não os populistas. Eu digo que não guardes para amanhã o que deves fazer hoje. E a discussão sobre se o Bruno Fernandes vai ou fica - e como eu gostaria que ele ficasse como sinal de um projecto ambicioso - não deve evitar o que nós queremos do futebol leonino, o que quer o futebol português relativamente aos Bruno Fernandes e aos João Félix deste país à beira mar plantado! Irrita-me que em Portugal, tão rico em jogadores e treinadores, não se discutam as questões de fundo do futebol, e percamos tempo com discussões de faca e alguidar ou de páteo, que nem o nome de peixeiradas merecem.
E como já dei o suficiente para esse peditório, gostem ou não, quero continuar a meditar sobre que modelo gostaria para o meu clube, em todas as suas muitas modalidades, sejam elas de alto rendimento ou de lazer, como competições profissionais ou não profissionais, com atletas profissionais ou amadores, como gostaria de discutir seriamente sobre o modelo de SAD, designadamente, do futebol, incluindo a distribuição do seu capital.
E é por isso que eu também quero discutir a governance do meu clube, começando pelo tema da assembleia geral que é, como dizem os estatutos, onde «reside o poder supremo do clube»!
Ora, se assim é, tem de lhe ser conferida uma dignidade e credibilidade que não é compatível com um número ilimitado de pessoas - nunca se sabe quantas são - a discutir assuntos de capital importância na vida das instituições. O Sporting é hoje um clube popular, mas não pode ser governado de forma populista. Os associados do Sporting Clube de Portugal não guardam boas recordações das formas de governação populista e de certos populistas.
Na semana passada, falei de dois dos maiores clubes do mundo, que são, se a memória não me falha e a realidade não me desmente, os únicos que continuam a ser apenas, mesmo relativamente ao futebol, pessoas colectivas, que não são sociedades anónimas desportivas ou, pura e simplesmente, sociedades anónimas. Como sabemos, não há em Portugal nenhum clube desportivo que se tenha constituído de raiz como sociedade anónima desportiva ou um clube desportivo que se tenha transformado em sociedade anónima desportiva, mas apenas casos de personalização jurídica de equipas, particularmente de futebol, que participem em competições profissionais, como está previsto na lei. Neste momento, porém, temos um clube na Liga que só pratica futebol e que é uma sociedade anónima desportiva - o ex-Belenenses Futebol SAD, pois, sinceramente, não sei como se chama agora. É aliás uma experiência interessante de seguir!...
Voltando, porém, ao Real Madrid e à sua assembleia geral, que, não obstante ser universal para efeitos de eleições, e representativa para as suas restantes competências, não foi impeditiva do sucesso do Real Madrid ao longo destes anos. Será porque ela é tema constante da comunicação social ou porque pouco ou nada se fala dela? Ou será porque ela não é espectáculo pouco recomendável e antes um palco de discussão séria de temas importantes?
Os estatutos do Real Madrid têm um conceito de assembleia geral semelhante ao dos estatutos do Sporting Clube de Portugal - a Assembleia Geral é o órgão supremo de governo do Clube. A sua composição, porém, é bem diferente, porque ela é apenas integrada por todos os sócios com direito a voto, mas representados da forma prevista nos estatutos e de acordo com as normas vigentes.
Nesta conformidade, têm direito a voto, e, portanto, têm capacidade para ser eleitos membros da Assembleia Geral, todos aqueles que sendo sócios do Real Madrid sejam maiores de idade, com plena capacidade para estarem inscritos no clube e, pelo menos, com um ano de antiguidade ininterrupta. Por cada mil sócios serão eleitos trinta e três representantes, ou um número menor, de forma a que os membros eleitos nunca ultrapassem os dois mil. Para além destes membros eleitos, integram a assembleia geral, a Junta Directiva, o Presidente, ex-Presidentes que não tenham perdido a qualidade de sócios e os cem sócios mais antigos, numa clara consagração do respeito pela história do clube - a representação da memória!
Os sócios, na sua universalidade, são chamados para eleger o Presidente e parte da Junta Directiva e os seus representantes na assembleia geral. Essa mesma universalidade é chamada a pronunciar-se em referendo, figura que aliás muito gostaria de ver introduzida nos estatutos do Sporting, para determinados assuntos.
E, quanto a assembleias gerais fico-me, hoje, por aqui.
Notas finais
Não quero deixar de fazer três notas, sobre dois guarda-redes e um dirigente. A primeira nota é sobre Luís Maximiano, e para dizer que, daquilo que tenho visto e ouvido, está nele o futuro guarda-redes do Sporting e da seleção nacional. Deem-lhe oportunidade e estou certo que será digno sucessor de Azevedo, Carlos Gomes, Vítor Damas e Rui Patrício!
A segunda é para outro guardião enorme, mas de uma baliza mais pequena: Girão de seu nome, campeão europeu de clubes pelo Sporting e agora campeão do mundo, com influência decisiva nesse título, como foi reconhecido por todos, incluindo os seus companheiros, o que não é normal e por isso merece uma saudação especial.
A terceira para Gilberto Borges, o dirigente do Hóquei em Patins que não deixou de acompanhar os seus atletas - sete - que representam o Sporting, e que estiveram presentes no Mundial, ao serviço das suas selecções nacionais, portuguesa, espanhola, italiana e argentina. É assim este grande dirigente, sempre a apoiar os seus jogadores, estejam onde estiverem. É por isso que tem sucesso. Com esforço, dedicação e devoção, com competência e sensibilidade, e com profissionalismo... não sendo profissional!...