Tempo de atenção!...
Lembro-me bem de, desde pequeno, ainda na escola primária, ouvir falar em casa de situação e oposição. Da chamada situação eram as pessoas afectas ao regime de Salazar, inscritas ou não no único partido existente legalmente, a União Nacional, que, muitos anos mais tarde, com Marcelo Caetano, viria a transformar-se na Acção Nacional Popular. Muitas vezes era condição necessária para se obter lugar ou emprego em qualquer coisa.
Lembro-me bem também de o meu Pai falar num triângulo em que num lado se inscrevia a palavra «situação», no outro a palavra «inteligente» e no terceiro a palavra «sério». Contava-se então que, de acordo com o princípio que o lado do triângulo nunca é igual à soma dos outros dois, se concluía que:
se é inteligente e é da situação, não é sério;
se é sério e da situação, não é inteligente;
se é inteligente e é sério, não é da situação.
Oposição, no sentido de conjunto de partidos políticos que combatem um governo, era coisa que não existia uma vez que não era possível constitui-los legalmente. O povo dividia-se, por assim dizer, entre os que eram da situação e os contra a situação! Oposição aparecia vagamente quando havia eleições, que era coisa que também não passava de uma farsa.
Na politica, a oposição faz sentido, ou seja, é normal um partido político colocar-se contra o governo, fazer objecção, combater as medidas do governo. Contudo, mesmo na política, a oposição não deve ter por única missão combater só por combater, sem ter em conta o interesse nacional. O interesse nacional deve sobrepor-se ao interesse partidário - princípio aliás muitas vezes afirmado pelos políticos, mas poucas vezes praticado!...
E numa democracia, o direito à oposição é um elemento imprescindível: é a livre manifestação do pensamento, é o direito à liberdade de opinião. Como refere a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo trigésimo sétimo, todos têm direito a exprimir o seu pensamento pela palavra ou por qualquer outro meio, não podendo esse direito ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
Este direito, como é óbvio, estende-se a qualquer sector da sociedade, e, portanto, também ao futebol, que é tido muitas vezes - e algumas com razão - como um mundo à parte da lei, e mesmo da lei constitucional, no que à liberdade de expressão e pensamento diz respeito.
Por isso, não posso, de ânimo leve, condenar o cidadão José Maria Ricciardi por, numa televisão, exprimir o seu pensamento sobre o actual Conselho Directivo do Sporting Clube de Portugal, designadamente sobre o Presidente deste, Dr. Frederico Varandas. Nem posso limitar ou impedir esse direito à livre expressão do seu pensamento só porque este foi eleito há apenas um mês.
Não me parece, porém, ser o direito à liberdade de opinião que está em causa. O que está em causa não são apenas as circunstâncias de esse cidadão ser sócio do Sporting Clube de Portugal e candidato recentíssimo a umas eleições, onde teve apenas cerca de catorze por cento dos votos, mas sim o facto de se ter assumido como oposição ao Presidente de um clube que diz estar em estado de pré-falência, como, de resto, louve-se a coerência, sempre alertou durante a campanha eleitoral.
Não vou agora sequer discutir se é legitimo num clube haver oposição interna quando são tantos os opositores externos - os outros clubes. Vou apenas lembrar que o Dr. José Maria Ricciardi disse à comunicação social, face ao resultado eleitoral: «Foi a decisão dos sócios e eu respeito. Querem outros caminhos e desejo sinceramente que corram bem. Não vamos fazer oposição, vamos tentar que o Sporting ganhe alguma coesão. E no futuro quem sabe se nos podemos encontrar outra vez. Tenho muito orgulho no que fiz. Fui verdadeiro.» Com esta sensata declaração, ninguém podia esperar de si o azedume da sua recente intervenção.
Meu querido amigo: acha que esta sua intervenção é no sentido de «tentar que o Sporting ganhe alguma coesão»? Dizer que o clube está em pré - falência e manifestar oposição, sem propor ajuda ou solução, é procurar a coesão ou a divisão?
A derrota num acto eleitoral, em democracia, apenas é derrota se não tivermos participado nele com a convicção de que as nossas ideias eram as melhores. Ser democrata exige humildade na hora da vitória e da derrota. Perder uma eleição não significa que não tenhamos razão naquilo que defendemos e que devemos continuar a defender. Perder uma eleição não nos retira o direito de criticar, não nos inibe de exercer o direito à liberdade de expressão. Mas criticar não é, nem pode ser, passado um mês, deitar abaixo, pura e simplesmente, quem tem uma carrada de problemas para resolver, sejam os do passado recente, sejam os dum passado mais remoto, em que o meu amigo, eu e muitos outros participámos! Criticar é substituir uma organização por outra organização, e não foi isso que o meu amigo fez na sua intervenção. E como já disse e escrevi várias vezes, toda a apreciação que não envolva uma ideia de aperfeiçoamento ou de renovação não é crítica, é apenas má língua.
É óbvio que o actual Presidente não era o meu candidato, pela simples razão que também o fui, e, por outras, que tive ocasião de expor em campanha e são conhecidas. Mas a minha reacção ao meu resultado eleitoral, bem mais baixo que o seu, foi apenas a de que o meu tempo acabou. Disse isto, e repito, sem qualquer azedume ou amargura. Apenas muito preocupado! Não por ser o meu tempo que acabou, mas por ser um tempo diferente daquele em que eu aprendi a ser dirigente do Sporting. O tempo é outro, os princípios são outros, os valores são outros. E as soluções, se calhar, também são outras, que aliás já preconizei. É isto que me preocupa, num tempo em que o Sporting não tem tempo para perder com querelas sem importância. O tempo é de profunda e séria reflexão quanto ao futuro do Sporting, em Portugal e na Europa. E essa reflexão não pode ser feita na divisão, mas na união e coesão de que tanto se falou na campanha.
O meu tempo acabou. O nosso tempo não acabou. O tempo do Sporting pode e deve ser outro, mas não acabou, nem pode acabar. O tempo não é de oposição, mas sim de preocupação e atenção!...