Sporting contra a sina
Há um ano, no primeiro texto de 2020 (8 janeiro) escrevi isto: «E apenas com 15 jornadas, antes do final da primeira volta, portanto, já todos temos a certeza de que o campeonato será ganho pelos mesmos de sempre. Benfica ou FC Porto. Nenhuma surpresa. É assim há 18 anos, quando o Sporting de Lazlo Boloni, Jardel e JVP terminou à frente do então campeão Boavista. Desde então o FCP ganhou 11 campeonatos e o Benfica sete. E apenas em sete ocasiões o segundo lugar não foi ocupado por um dos dois - o Sporting foi vice-campeão por seis vezes (quatro com Paulo Bento) e o Braga numa ocasião (com Domingos).»
Um ano volvido, não posso escrever o mesmo. Ao fim de 12 jornadas (mais do que um terço do campeonato), graças à surpreendente campanha do líder Sporting, ninguém pode garantir que os dois primeiros lugares venham a ser ocupados pelos dois do costume. Talvez acabem por ser, mas neste momento seria até de mau gosto não olhar para o que o Sporting tem feito com olhos de ver. E perceber que nada daquilo está a acontecer é por acaso. Aquilo que me parece é que Rúben Amorim, treinador claramente competente e particularmente hábil na comunicação/gestão de expectativas, está absolutamente determinado a, pelo menos, intrometer-se na conversa a dois que FCP e SLB mantêm a solo desde que Jorge Jesus terminou vice com o Sporting em 2016. Ora essa intromissão, lembro, pode valer um lugar direto na Champions e um cheque de 43 milhões… tirado a alguém que contava com ele, claro… Dizer que o Sporting vai mesmo quebrar o jejum de 19 anos e ser campeão parece-me precipitado, embora os sinais até agora sejam prometedores (já repararam que o Benfica gastou cem milhões mas, na prática, os reforços de alto rendimento são os que o Sporting comprou a preços mais ou menos de uva mijona?: Adán, Porro, Pedro Gonçalves, Nuno Santos, Feddal… e vamos ver se Paulinho ainda este mês). Para mim é claro que o FC Porto, mesmo sem jogar bem, continua a ser a equipa mais competitiva e raçuda do país (a única com perfil Champions) e, como tal, candidato n.º 1 ao título; e que o Benfica, apesar de enorme desilusão que tem sido (está muito longe de ter uma super equipa, como se chegou a dizer…) tem individualidades suficientes para desequilibrar a seu favor 95% dos jogos do campeonato doméstico. Sem esquecer o Braga que, jogando o futebol mais belo e trabalhado que se vê neste país, ainda não conseguiu atingir o estado de maturidade que lhe permita ganhar a jogar mal e não terminar a zero nos jogos em que joga bem ou muito bem (como este último de Alvalade, por exemplo).
Os vários clássicos deste mês (uns para o campeonato, outros para a Taça da Liga) podem ajudar a perceber melhor as forças e fraquezas de cada um. Consoante os resultados, haverá forçosamente quem saia com as convicções reforçadas ou, pelo contrário, com as dúvidas adensadas. Veremos. Para já, importa dizer que o Sporting, por tudo o que tem mostrado, tem todo o direito a sonhar com a entrada direta na Champions. No mínimo.
E se Abel...?
Foi Gallardo que pediu um Abel Ferreira? Mesmo que não tenha sido, foi com o enérgico treinador português do Palmeiras que o tituladíssimo treinador do River Plate começou [na última madrugada, em Buenos Aires] a discutir o acesso à final da Taça dos Libertadores - essa mesmo que Jorge Jesus ganhou há pouco mais de um ano com o Flamengo (a outra meia-final opõe Boca Juniors e o Santos, de Lucas Veríssimo). Abel tem feito um trabalho meritório com o mediano plantel do Palmeiras e acaba de se classificar para a final da Copa do Brasil, onde o espera o Grêmio de Renato Gaúcho - esse mesmo que levou uma manita de Jesus há pouco mais de um ano. Mas o River é outra conversa. Equipa batida, matreira, hiper experiente, o River é um dos monstros sagrados da Libertadores (quatro títulos, sete finais, 19 meias-finais…) e será preciso pedir um Abel Ferreira no mínimo tão sagaz como aquele que (com o PAOK) eliminou Jesus da Champions para que Marcelo Muñeco Gallardo seja novamente enganado por um treinador tuga. Olhem que teria muita graça!
Rafael recebe Thor
Milan-Juventus hoje em San Siro. Há quanto tempo o Milan não recebia o velho rival numa posição tão favorável: líder invicto da Serie A com dez pontos (!!!) de avanço sobre a signora, que tem um jogo a menos (com o Nápoles). Rafael Leão, 20 anos, está em grande forma e vem de um golo maravilhoso (chapeau, miúdo!) ao Benevento. Cristiano, o Thor (deus das batalhas) do futebol, está em grande forma há 19 anos e vem de ultrapassar o recorde goleador do mítico Pelé (758-757). Com quase 36 anos, continua a mostrar a fome e o entusiasmo de um principiante. Como se tivesse alguma coisa a provar. Olho para o felino Rafael Leão e vejo um George Weah em potência. Tem condições naturais (planta física, músculo, elasticidade, velocidade, talento natural) para ser um jogador top. Falta saber o resto. Se quer. Se tem mentalidade para isso. Se está disposto a fazer sacrifícios - muitos - para ser mais que um talento brincalhão capaz de armar, de vez em quando, vistosos fogos de artificio. Se Leão quer mesmo chegar lá acima, pois siga o exemplo do compatriota Ronaldo, o maior animal de competição da história do futebol (embora o colega de equipa Zlatan Ibrahimovic seja um excelente tutor). Leão vs. Thor. A suposição contra a certeza. A promessa contra a eternidade.