Sol e electricidade
1Ainda em agosto. Mês em que se fala que as nuvens e o sol e outros elementos naturais - o bom tempo, etc. - convidam as meninas e os meninos para o exterior - em baixo: o chão; em cima: o céu - e com esse convite, embora indirectamente, proíbem o funcionamento dos ecrãs.
Ao sol a visibilidade de qualquer ecrã é péssima, e isso não é por acaso. Numa competição de luzes - a do sol e a da eletricidade dos tablets -o sol esmaga por KO definitivo. Só na sombra a luz dos ecrãs consegue ser visível, e isso é uma rápida lição da força do sol e da fraqueza pífia dos ecrãs electrónicos.
Inutilidade
2Voltamos ao poeta brasileiro Manoel de Barros, poeta essencial da língua portuguesa. Ele fala dessa aprendizagem pela natureza e na natureza, uma aprendizagem em que temos de esquecer, em primeiro lugar, a linguagem e a maquinaria que nos impedem de olhar sem filtros e sem obstáculos para as coisas do mundo.
«As coisas que não levam a nada têm grande importância».
Um caminho sem saída e uma tarefa inútil: em Agosto, eis o essencial.
Brinquedos e infância
3Entre ecrãs e brinquedos ortodoxos, eis uma infância sentada e quase pré-definida. (E que haverá de mais terrível do que infância pré-definida?)
Na verdade, o que são brinquedos? Os primeiros brinquedos são os objetos naturais que se podem transportar, que se podem manipular, que se podem cruzar entre si, que se podem levar às costas. Com dois paus e uma pedra ou duas pedras e uma corda se fazem, se fizeram, as primeiras brincadeiras, os primeiros brinquedos: corda pau pedra terra água. As brincadeiras de areia, na praia -as construções que usam apenas água e areia são disso um bom exemplo: a primeira grande construção surgiu a partir de material natural, sem transformações.
«Poema é antes de tudo um inutensílio», escreve Manoel de Barros que defende o inutensílio como objecto base da educação das crianças. Objectos que não são úteis, que não fazem coisas: é a criança que faz, que age. Objectos que não funcionam, imaginam.
Manoel de Barros conta que mostrou à mãe um primeiro verso. Ele tinha medo: «Vão dizer que eu tenho vocação para ninguém.» Teria treze anos.
«A mãe falou:
Agora vai ter que assumir as suas irresponsabilidades.
Eu assumi: entrei no mundo das imagens.»
Assumir as responsabilidades versus assumir as irresponsabilidades.
O óbvio: só pode existir um tempo responsável, se antes existir a infância.
Natureza e dança
4A educação mais clássica é, em parte, uma ocupação de olhos e dos ouvidos, uma invasão benigna, benéfica, é certo, dos ouvidos e dos olhos. Mas só auditiva e óptica: vou ocupar os teus olhos com imagens da cultura humana, vou ocupar os teus ouvidos com os sons que vêm da linguagem.
Assim, por contraste a isto, um outro ponto de vista, é a educação que diz: vira-te para a natureza, desloca os teus olhos e os teus ouvidos na direção daquilo que não é produzido pelo humano.
Uma educação, diríamos ecológica, não no sentido didático, mas no sentido de educação pela ecologia. Não vou aprender o nome dos rios, vou aprender a descer os rios; não ver apenas a fotografia da montanha, vou tentar subi-la.
«Para cantar é preciso perder o interesse de informar», escreve Manoel de Barros. Fartos de informações, pedimos canções e alguém que saiba dançar.E não só em Agosto.