Sobre coisas que nunca se dizem
Não dizer as coisas pode ser por medo delas. Mas não evita que elas existam
É uma estratégia recorrente dos filmes de terror, quando começam, e há personagens atormentadas por algo tão sinistro que o nem mencionam. «As coisas que não podemos dizer», «aquilo de que não falamos» - há um bom filme, de M. Night Shyamalan, The Village, de 2004, que na verdade é apenas isto. A estratégia é passar a bola para a imaginação: imagine-se o pior para se ter o máximo de medo. As coisas, assim, são o que delas pensamos.
Mas será mesmo assim? Não são as coisas, afinal, o que são e pronto, independentemente do que lhes chamemos ou do que delas pensemos?
O que parece claro é que as palavras importam, ditas ou não. Veja-se Rúben Amorim, com uma carreira que a todos tem surpreendido, e que hesita, de forma descontraída, em assumir a candidatura do Sporting ao título. É até curiosa a forma como um clube que durante anos, muitas vezes sabendo-se que dificilmente poderia bater-se com FC Porto e Benfica, assumia lutas por títulos, e agora, com tanto avanço, não o faz.
Ainda assim, parece-me uma estratégia aceitável, porquanto isso em nada chateia os sportinguistas, que estão de bem com a vida, sorrindo para dentro, e nem lhes passa pela cabeça exigir ao treinador que assuma a luta pelo título publicamente.
Já para benfiquistas e portistas, essa omissão parece ser irritante.
O que quer isto dizer? Justamente que também no futebol as palavras importam. São elas que nos situam, que fazem as coisas acontecer ou não.
Como é que costuma dizer-se: se uma árvore cai na floresta e…; ou melhor, se o Sporting for campeão e não estiver lá Rúben Amorim para o dizer, o Sporting é campeão na mesma?
Sim, claro que é.