Sobre a cultura desportiva 

OPINIÃO23.07.202003:30

Os dados não são suficientes para estabelecer uma relação causa/efeito mas não será mera coincidência que um país onde se pratique pouco desporto seja aquele que tenha fraca  cultura desportiva. É certo que só um destes pressupostos seja mensurável e o outro parta do campo da subjetividade, mas podemos confiar em indícios, manifestações e retratos do que é um pensar coletivo para se chegar a uma forte convicção (para não dizer conclusão) de que Portugal tem uma pobre cultura desportiva, em que o futebol se sobrepõe de uma forma absolutista e tribal sobre as demais modalidades.
Esta é uma discussão que tem anos e para a qual nunca se encontrou uma verdadeira resposta, porque o tema é demasiado complexo. Mas há dados que podem e merecem ser postos em análise: porque um país com mais e melhor Desporto é um país melhor.

Segundo o Eurostat, Portugal é o segundo país da União Europeia onde se pratica menos atividade física, apenas atrás da Croácia, e é um dos 11 piores a nível mundial. Isto acontece numa nação que, a nível internacional, só é uma potência em duas modalidades (futebol e hóquei em patins) e competitiva em mais  três (judo, canoagem e ténis de mesa), esperando-se que o andebol venha a juntar-se ao lote. É muito pouco, mesmo só para 10 milhões de habitantes.  A nível mundial, e comparando resultados em 55 desportos nos dois géneros (masculino e feminino), Portugal está em 33.º lugar, atrás de nações do mesmo continente e/ou dimensão, geografia ou população semelhantes, como a Bélgica, Holanda, Croácia, República Checa, Dinamarca, Suíça, Suécia, Sérvia, Eslovénia, Polónia e Áustria. Discute-se muito sobre se Cristiano Ronaldo é melhor que Messi mas nunca porque em Portugal nunca será possível ter um tenista como o sérvio Djokovic, a belga Kim Clijsters, o grego Tsitipras ou o austríaco Dominic Thiem; ou potências individuais no ciclismo como os belgas, holandeses ou suíços; ou porque as modalidades coletivas (à exceção desta nova geração no andebol) nunca se impõem no plano internacional; ou porque tendo nós mais de 900 quilómetros de costa só recentemente os lusos começaram a intrometer-se no surf de elite; ou porque temos dos melhores campos de golfe do mundo mas nem um aspirante a Ballesteros.    

Uma criança em Espanha pode sonhar em ser Xavi, Rafa Nadal, Fernando Alonso, Pau Gasol ou Marc Márquez. Porque ganham. E só quem ganha (ainda por cima em modalidades de grande impacto mediático) traz mais adeptos. Esta conquista coletiva dos nossos vizinhos deu-se não porque os jornais e televisões de repente se lembraram de dar mais destaque a outros desportos que não o futebol mas porque o país mudou radicalmente a sua forma de pensar o Desporto, mal soube que ia receber os Jogos Olímpicos de 1992. Houve uma escolha política de tornar o Desporto como um dos polos estruturantes da sociedade e mais de 30 anos depois os resultados estão à vista.

Durante a fase de total confinamento foi ainda mais percetível o poder político do Desporto em vários países europeus como França, Itália, Inglaterra, Espanha e Alemanha. Ali o Desporto tem voz, não porque se discute foras de jogo, recordes de 100 metros ou lançamentos de três pontos, mas porque o Desporto é encarado como uma peça fundamental de toda a engrenagem da sociedade e de um povo. Muito diferente do que se passa em Portugal, onde o Desporto nunca conseguiu sair da marginalidade de uma mera secretaria de Estado. Os italianos têm um ministro e os espanhóis uma pasta que agrega cultura e desporto.  Por cá continuamos a achar que está tudo bem assim, que a prática e a competição desportiva é algo apenas do domínio do hobby. Cenas como a vergonha do Desportivo das Aves (que aconteceu porque a autorregulação falhou, tal como falhou em muitas outras questões estruturantes no futebol em Portugal ) são encaradas como minudências pelo poder político. O futebol (e o Desporto) só são mesmo importantes na hora da selfies.