Só ridículo ou ilegal?
O presidente da Mesa da Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal, no final da Assembleia Geral comum ordinária de 26 de Setembro de 2020, em que apenas se votou, sem nada se discutir, anunciou que a mesma teve a participação de 3 115 sócios, mas destes votaram o orçamento para 2020/2021 apenas 3098 e o relatório e contas de 2019/2020 apenas 2998. Desconhece-se o que fizeram, no caso do orçamento, 17 votantes; e, no caso do relatório e contas 117 votantes. Apenas uma curiosidade, sem qualquer importância ou significado para os resultados apurados e, muito menos, para o que se quer demonstrar neste meu texto onde quero dar apenas a minha modesta opinião, essencialmente, sobre o que penso sobre a validade do artigo 49º, 1 dos Estatutos do SCP: «As eleições da competência da Assembleia Geral fazem-se por lista completa, que englobará todos os órgãos sociais previstos no artigo 34º dos presentes estatutos, considerando-se eleita a lista que obtiver mais votos do que qualquer uma das outras...»
Mas, voltando à Assembleia Geral e aos resultados da votação, constatamos que, de acordo com o artigo 43º, 2 dos Estatutos, nenhum dos documentos postos à aprovação dos sócios votantes mereceu a maioria absoluta dos votos. Na verdade, o orçamento foi chumbado 76,73% dos votantes (correspondentes a 69,19% dos votos; e o relatório e contas foi reprovado por 75,45% (a que correspondem 67,22% dos votos). Uma estrondosa derrota de Frederico Varandas e alguns dos seus companheiros, já que outros, anteriormente, haviam seguido o caminho da demissão.
Em percentagem, e em comparação com as eleições em 2018, aumentaram os votantes e os respectivos votos contra Varandas. Na verdade, não votaram, na altura, em Varandas 61,08% dos votantes, correspondentes a 57,68% dos votos. Varandas continua a desgovernar contra a vontade da maioria absoluta dos sócios presentes nas assembleias gerais a que nos referimos! A democracia não está doente, está é viciada por uma cláusula estatutária que permite esta gerigonça leonina e que a meu ver é ilegal!
Com efeito, o artigo 43º, 1 dos Estatutos estabelece quais as competências exclusivas da Assembleia Geral, entre elas:
• Alterar os estatutos do clube (que exigem uma maioria de 75% dos votos);
• Eleger e destituir os órgãos sociais;
• Apreciar e votar o orçamento de rendimentos, gastos e investimentos, com o respetivo plano de atividades para o ano económico, e os orçamentos suplementares que houver;
• Discutir e votar o relatório de gestão e as contas do exercício, bem como o relatório e parecer do Conselho Fiscal e Disciplinar relativamente a cada ano económico.
As deliberações da assembleia geral são tomadas pela maioria absoluta dos associados presentes, salvo disposição contrária da lei ou dos estatutos, como já se referiu.
Ora, a lei aplicável ao Sporting Clube de Portugal, como outras associações do mesmo tipo, como o Sport Lisboa e Benfica, Clube de Futebol Os Belenenses, Futebol Clube do Porto e outros, é o Código Civil, designadamente, o Capítulo II (Pessoas Colectivas), artigos 157º a 184º.
Salvo melhor opinião, os estatutos do Sporting Clube de Portugal estão em conformidade com o estabelecido no Código Civil, excepto no que diz respeito ao artigo 49º, 1 que exige, inexplicavelmente, diria mesmo, ridiculamente e sem qualquer lógica, uma maioria relativa para as eleições dos órgãos sociais. Mais: tal disposição é, em nossa opinião, ilegal, por contrariar o disposto no artigo 175º do Código Civil, sobre o funcionamento das assembleias gerais das pessoas colectivas.
O número dois desse artigo, diz expressamente que «as deliberações são tomadas por maioria absoluta dos votos dos associados presentes», com excepções, isto é: as deliberações sobre alteração dos estatutos exigem o voto favorável de três quartos dos associados presentes e as deliberações sobre a dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva requerem o voto favorável de três quartos do número de todos os associados. Os estatutos do Sporting Clube de Portugal estão em conformidade com estas disposições legais constantes do Código Civil.
Uma terceira excepção consagrada na lei é para admitir que os estatutos das associações possam exigir um número de votos superior ao fixado nas regras anteriores. Em conformidade com a lei está, pois, a segunda parte do número dois do artigo 43 dos estatutos do SCP, quando exige um número de votos superior - «as deliberações relativas à alienação ou oneração de imóveis ou de participações sociais exigem maioria de, pelo menos, dois terços de votos».
Ilegal, por contrária à lei, é, em nossa modesta opinião, a norma estatutária que admite que seja tomada uma deliberação para eleger os órgãos sociais por maioria relativa!
Na verdade, e ao contrário do que refere a lei, os estatutos do Sporting Clube de Portugal, exigem para eleger um Conselho Directivo, por exemplo, um número de votos inferior ao número de votos necessários para a sua destituição ou para outra votação com menor importância e significado. Acho isto absolutamente ridículo e, por isso, não nos devemos admirar que as Direcções caiam facilmente e que as candidaturas sejam mais que muitas!
Curioso aliás é constatar que os estatutos do Sport Lisboa e Benfica têm uma disposição idêntica. Lembrei-me de consultar os estatutos do nosso rival, justamente porque estes se encontram em período eleitoral e se arriscam a ter um presidente - seja ele qual for - eleito contra a maioria absoluta dos votos dos associados presentes!
Voltando ao Sporting, não nos admira que os nossos órgãos sociais, arrogantes e orgulhosos da sua gerigonça desgovernada se não preocupem com o estabelecimento de uma segunda volta, para se terem órgãos sociais legitimados por maiorias absolutas.
A meu ver o estabelecimento da segunda volta seria apenas matéria regulamentar visando o cumprimento da norma que exige que as deliberações sejam tomadas por maioria absoluta dos associados presentes. À norma que estabelece maioria relativa basta elimina-la se ninguém a mandar eliminar.
Não sei se tenho ou não razão sobre a ilegalidade de tal norma estatutária. Mas lanço o debate e o desafio aos juristas para que me convençam do contrário. E muito particularmente à Procuradoria Geral da República que tem uma palavra a dizer nestas matérias.
Nota: o Conselho Directivo foi humilhado na votação sem discussão e na discussão sem votação, porque tinha a faca e o queijo na mão. É preciso ter estômago e falta de vergonha para votar favoravelmente a seu favor depois da derrota estrondosa quarenta e oito horas antes. Pior, porém, é que na quinta-feira fomos todos nós os humilhados!