SLB: futebol (já) jogado e não futebol (ainda) não julgado

OPINIÃO12.09.201804:00

1 As análises que se fazem aos jogos de futebol são consequência dos resultados dos mesmos. Chamemos-lhe, então, resultadistas. Às vezes, com uma quase única excepção: as relativas aos jogos da selecção, pois que, aí, manda o patriotismo politicamente conveniente falar, por vezes, em azar, erros de arbitragem, vitórias morais ou outra coisa qualquer.


Não estava em Portugal quando o Benfica ultrapassou, em Salónica, o último obstáculo para chegar à fase de grupos europeia, assim como, não estava quando venceu, com uma goleada, o Nacional na Madeira. Não estava e não vi os jogos pela televisão. Mas ouvi o primeiro pela rádio e imaginei um Benfica de rastos até ao 1-1, tal a veemência do desastre anunciado. Depois, tudo mudou com os golos encarnados e, com os mesmíssimos mensageiros, quase já me imaginei a ver o Benfica campeão europeu. Por um lado, o fascínio da rádio que nos conduz à montanha russa do sonho e do desespero, num registo de um quase sismógrafo. Por outro, a convergência quase obrigatória entre o resultado e o comentário. Nada que me surpreenda, pois, quase todos nos deixamos (des)orientar pelo mesmo diapasão. Se a equipa marca, é a maior; se a equipa sofre, é o fim-do-mundo. Eis o esplendor do futebol entre o racional e o emocional, entre a glorificação e a demolição, entre o que vemos ou ouvimos e o que queremos ver e ouvir.


Rui Vitória foi obstinado e venceu o difícil Agosto. Primeiro classificado na Liga, passagem aos grupos na Champions. Apenas o lisonjeiro (para o Sporting) empate na Luz retirou o brilho total a esta primeira fase da época. Durante alguns dias, a crítica era a de que o treinador jogava sempre com a mesma equipa, pressupondo eu que, se tivesse alterado os titulares em função dos jogos, haveria exactamente a crítica simétrica de estar sempre a mudar. Tenho para mim que Vitória fez bem (evidentemente, com a consciência de que estou a falar a posteriori…). Afinal, estamos no primeiro mês de competição de uma época longa e não no seu epílogo. Oito jogos em Agosto? Qual é o problema? Jogadores altamente profissionalizados não o aguentariam no seu primeiro mês depois de férias? Deve ser quase a única profissão onde se pode supor esse cansaço pós-férias tão prematuro. O que é mais importante nesta fase? Rotação ou consolidação?


Este primeiro mês terá traduzido já alguns aspectos que podem ser, se não nucleares, pelo menos importantes: Vejamos: 1) Odisseias Vlachodimos: um guarda-redes sóbrio, mas competente e sereno, que não sendo o Ederson ou até o Oblak, transmite segurança e tem enorme margem de progressão; 2) a importância da continuação de Rúben Dias ao lado do competente e agora capitão Jardel; 3) a imprescindibilidade de um jovem jogador, Gedson Fernandes, que parece estar na equipa principal há muito mais do que um mês e, para mim, mais completo e inteligente que Renato Sanches; 4) a importância de dois jogadores fundamentais quando atingem uma boa forma: Pizzi e Salvio; 5) a inevitável entrada, embora gradual, de um jogador de eleição como é já João Félix; 6) a dependência de solidez advinda de Fejsa, ainda sem substituto à altura por enquanto (e, visto de fora,  com a estranha ostracização de Samaris que, na época passada, chegou a ser preterido em favor de um sofrível Filipe Augusto); 7) A boa dor de cabeça que suponho o treinador terá quando tiver em plenitude Krovinovic e Gabriel.


Como aspectos mais intrigantes encontro dois: 1) os substitutos dos laterais titulares, André Almeida e Grimaldo, seja por lesões tão rápidas quanto infelizes, seja por estarem ainda em processo de adaptação a um clube de enorme exigência; 2) a saga dos pontas-de-lança que, neste momento, por muitas e variadas razões tem como titular o jogador que, há 15 dias estava na lista dos dispensáveis ou dispensados. Jonas é um mistério vertebral, Facundo Ferreyra é um enigma adaptacional. Castillo parece poder ser uma muito útil arma. Qualidade não falta, e bastará Jonas voltar (assim o espero) à sua inigualável classe pós-enfermaria.


Talvez por isso seja revelador que, nestes 8 jogos, o Benfica tenha marcado os seus 17 golos (8 dos quais seguidos nos últimos dois encontros) através de defesas (2), médios (7, dos quais 6 através de Pizzi, o melhor marcador), alas (6, sendo 4 de Salvio) e pontas-de-lança (apenas 2, Ferreyra no Bessa e Seferovic na Madeira). O que também pode ter uma boa leitura, evidentemente.


Uma última nota, a propósito dos jogos europeus e do papão que sempre nos atiram relacionado com o ambiente terrível e quase apocalíptico em alguns estádios, vide Istambul e agora o reduzido campo do PAOK. Considero que é uma falsa questão. Aliás, como aqui já escrevi antes deste jogo em Salónica, prefiro que, em jogos a eliminar, o Benfica jogue a segunda mão fora de casa. Afinal, estamos perante jogadores que têm suficiente estatuto para não se deixar impressionar por esses imaginários inimigos, cuja ferocidade se esvai ao primeiro golo sofrido. Quase me apetece dizer (claro, agora) que ainda bem que o Benfica sofreu logo um golo de início, porque foi a forma de enfrentar o bicho de frente e sem calculismos que, por regra, dão mau resultado. Nesta altura do campeonato global essa questão de jogar em casa ou fora não me parece decisiva. Ou melhor, é-o cada vez menos.

2 Do futebol jogado para o não futebol julgado. Não sou jurista, nem advogado, nem juiz, nem achista e, numa matéria delicada, muito menos repentista na opinião. Porém, não posso deixar de me referir a um momento muito embaraçoso por que passa o meu clube, depois das acusações proferidas sobre o chamado caso ‘e-toupeira’.


Como português, vejo como positiva a evolução do sistema judiciário e das diferentes leis de enquadramento, designadamente no direito desportivo e de combate à corrupção. Pena que tenham vindo tão tarde, não só porque são bons elementos de prevenção e dissuasores, como enquadrariam de outro modo graves actividades atentatórias da verdade desportiva antes julgadas num envolvimento legal mais permissivo e que escaparam não por matéria factual substantiva, mas por supostas irregularidades formais (por exemplo, certas escutas cujo conteúdo, porém, não deixava margem para quaisquer tipos de dúvidas).


Mas, no caso ora conhecido, não posso deixar de dizer quanto incomodado me sinto. Não me alivia dizer que outros fizeram ou fazem isto ou aqueloutro. Custa-me muito perder jogos ou títulos, mas custa-me mais suportar este purgatório judicial em que o Benfica está envolvido e que alguns, apressada e indisfarçavelmente logo sentenciaram como inferno, sem defesa e sem apelo. Neste ponto, por muito que me custe reconhecer, e independentemente do longo itinerário judicial, uma marca institucional não abonatória está para ficar durante muito tempo.
Poderemos argumentar que a violação ou devassa do segredo de justiça é o pão nosso de cada dia em Portugal e que muitos dos media que agora ululam sobre este e outros casos o fazem todos os dias certamente com as suas dedicadas toupeirinhas ou toupeironas, e não por uma bagatela de umas camisolas ou de uns bilhetes para ver um qualquer espectáculo. Todavia, tal não me resolve a incomodidade de, alegadamente, um colaborador do Benfica o ter feito e se manter em plenas funções de normalidade institucional.


Por outro lado, não deixa de me causar perplexidade a acusação imputada à Benfica SAD relacionada com a desvirtuação da verdade desportiva. Onde está o nexo de causalidade? Em que jogo ou jogos? Em que competição? Com que agentes desportivos?  Em que penáltis ou falta deles? Em que golos marcados ou sofridos? Ou será que o nexo de causalidade é uma abstracção que não carece de prova da relação entre uma causa e um efeito ou consequência? E como daí partir para a tal pena acessória de suspensão de actividade desportiva entre 6 meses a 3 anos que tanto tem excitado os títulos da manhã e os canais especializados no anti-benfiquismo? É que se assim é, por exemplo, segundo a mesma lógica, um clube acusado de um crime de evasão fiscal pode influenciar a verdade desportiva dando vantagem financeira ao clube incumpridor. E daí por diante…


Como leigo, também gostaria de saber porque é que em certos casos o acusado é o dirigente (caso de Pinto da Costa no ‘Apito Dourado’ ou de um vice-presidente do SCP no caso Cardinal) e não o clube ou a respectiva SAD e, agora, foi o inverso, com acusação à pessoa colectiva. Aparentemente, tem água no bico…


Aliás, muita coisa tem água no bico, desde a congeminação de denúncias anónimas concentradas sobre o Benfica até a aparente diferenciação de ritmos processuais em função da geografia desportiva.

Entretanto, regresso ao futebol por jogar: força Benfica rumo à (re)conquista do título nacional!