Sérgio e as suas bipolaridades

OPINIÃO10.12.201900:11

Apesar de ter vencido na Luz, logo na terceira jornada, o FC Porto chega à 13.ª com quatro pontos de atraso em relação ao líder, Benfica, o que significa que andou a esbanjar onde não devia:  derrota com o Gil Vicente e empates com o Marítimo e o Belenenses.
Esta irregularidade exibicional, feita aos solavancos, preocupa a família portista, recordada  do filme da temporada transata, em que a equipa passeou durante a primeira volta, chegando a usufruir de sete pontos de vantagem, mas a partir do virar de página do campeonato uma qualquer moléstia instalou-se na casa do dragão, o seu futebol foi perdendo o gás e o norte e no acerto final de contas não teve como impedir a festa da águia. No entretanto, o que sobrou em poeira no ar, discussão e insinuação faltou em eficácia, lucidez e perspicácia, ou ausência de sentido estratégico, para ir ao fundo do problema e resolvê-lo.
Foi mais fácil empurrá-lo com a barriga, não se estranhando, por isso, que as cenas do capítulos mais recentes sejam a continuação  das que se observaram  na última época:  quando a vitória não se alcança é sempre por culpa dos árbitros, dos  videoárbitros, das linhas de fora de jogo, de todas essas modernices, mais do tempo e da relva e também dos jornalistas.
Todos são culpados,  menos Sérgio Conceição, que se incomoda por tudo e por nada, pensa que os adversários se devem curvar à sua passagem, muito menos contrariá-lo, e quando as coisas não lhe correm de feição entra em descontrolo emocional, sob a forma de paixão exacerbada, calor com que se vive o jogo, intensidade da competição e outras expressões eufemísticas de idêntico significado.
O problema central reside no  próprio Sérgio Conceição e nas  suas bipolaridades comportamentais, ora sorridente e disponível para os jornalistas, ora intolerante e brusco, ora senhor da razão e do mundo, ora necessitado de encostar-se ao ombro presidencial, sem se dar conta que, como se não bastasse o buraco de 50 milhões provocado pela incompetência na eliminação frente ao  Krasnodar, talvez a administração portista não goste de ver o seu treinador envolvido em recorrentes situações conflituosas,  que até já rasgaram fronteiras. Cá dentro, mais empurrão ou menos palavrão, ninguém liga (até um dia..), mas, lá fora, o FC Porto, campeão europeu,  tem uma imagem de muito prestígio a defender.

Última jogada

Hoje é noite de Liga dos Campeões para o Benfica. Realiza-se a última jornada da fase de grupos e com ela esgota-se a sua derradeira oportunidade de se manter na UEFA.
Em grupo de relativa dificuldade é evidente que o Benfica tinha a obrigação de praticar mais e melhor futebol e chegar a esta altura com  a passagem aos oitavos de final garantida. Não foi diligente, porém.  
Ainda não percebi se Bruno Lage, deslumbrado pelo enorme sucesso que alcançou em tão pouco tempo, foi  romântico/anjinho ao ponto de confessar ao presidente que o plantel seria suficiente no equilíbrio qualidade/quantidade para atacar todas as frentes desportivas ou se, pelo contrário, alertou para algumas fragilidades em devido tempo e recebeu como reposta superior um aguente-se com os que estão.
Quando o Benfica resolveu avançar na extrema dependência da dupla Pizzi/Rafa Silva percebeu-se que alguma coisa não batia certo em termos de uma sustentável distribuição de referências em posições importantes. Pareceu-me, logo, ser um  sinal iniludível de défice de valor,  na sequência da pretensão de Bruno Lage em construir um plantel curto mas com forte competição em todos os lugares.
Quem compete com Rafa Silva? Cervi? É interessante, mas de características bem diferentes. Caio Lucas? Gostaria, gostariam os adeptos, de saber quem foi o promotor de uma contratação inútil.  Quem compete com Pizzi? Sem Salvio, e sem estrela emergente, ninguém.  
O treinador benfiquista quis marcar posição ao acusar as críticas que lhe têm sido dirigidas, vincando que é ele quem manda. Fez bem, deveria, até, tê-lo feito antes, de forma a evitar falatórios televisivos de fraco conteúdo mas de forte ruído. No entanto, é igualmente ele quem forma as equipas, quem define  as estratégias, quem escolhe as táticas e quem  projeta as ambições.
Para se manter na UEFA, está obrigado a ganhar ao Zenit por dois golos de diferença, ou mais.  Houve considerável progresso desde o humilhante somatório de zeros, em 2017, mas Bruno Lage está ainda em fase de indefinição, sem se perceber se pretende ser um treinador sem fronteiras ou se, pelo contrário, o universo da paróquia lhe chega, sendo certo que eventual exclusão da competições europeias nenhuma tranquilidade lhe trará.
 Lage foi campeão utilizando este modelo, embora com outras soluções e  em circunstâncias diferentes. No momento, parece  convencido de ter descoberto a receita eficaz  para a espinha dorsal da equipa, com Gabriel e Taarabt. Não digo que esteja errado, mas creio ser de menos, até para o consumo interno, uma opinião que, como outras, vai com o vento se, logo à noite, a equipa fizer o que os benfiquistas esperam dela: ganhar bem e segurar a Liga Europa. É o mínimo.