Sérgio Conceição perde espaço
FC Porto, Sérgio Conceição

Sérgio Conceição perde espaço

OPINIÃO21.03.202305:35

A eliminação do FC Porto da Liga dos Campeões, além de ter sido um choque para a família portista, pode prenunciar uma mudança de ciclo no futebol luso

S ÉRGIO CONCEIÇÂO começa a ser empurrado para a saída, a margem de tolerância esvai-se e a corda, esticada ao limite, pode partir-se a qualquer momento, por culpa própria. O seu bom trabalho, as vitórias, os registos  internacionais abriram-lhe portas para se aventurar em realidades desportivas de superior dimensão e que ele, por razões que me escapam, tem recusado. Já o escrevi, não só lhe faz falta uma liga maior para ampliar os horizontes da sua carreira como precisa sair deste ambiente exacerbadamente bairrista.

Cá por casa tudo se resume a uma luta pelo pontinho, como única forma de sobrevivência em meio condicionado pelo resultado, impaciente e de memória cruelmente curta quando os prazeres de massas adeptas pouco cultas não são satisfeitos.  Nenhum  treinador fica a salvo dessa força trituradora, nem Sérgio se pode dar a esse luxo, é uma questão de oportunidade.
 

NO Dragão, estamos na fase de trocas de mensagens de significado ambíguo, em que  o presidente diz que o treinador faz um bom discurso calado e o treinador, queixando-se do ruído que existe no futebol português, concorda, tendo afirmado tal como o presidente: «Calados fazemos um grandíssimo discurso.»

Este  registo de aparente cortesia verificou-se antes do jogo com o Inter, no Dragão, mas depois foi o próprio Sérgio Conceição a recordar as dificuldades por que tem passado: «Tudo o que temos feito aqui com 30 por cento da equipa B, outros 40 por cento que fomos buscar a equipas médias, Paços de Ferreira, Santa Clara, Famalicão, Rio Ave… e depois o mérito é zero.»

Justifica o seu silêncio por só ouvir falar das quedas de Otávio e de Taremi e, também,  por darem dele a imagem de um arruaceiro. Foi mais longe na reação, virado para fora mas falando para dentro do clube: «É preciso reconhecer que foram muito difíceis este meus cinco anos e meio no FC Porto, com  anos de fair-play financeiro, sem poder ir buscar nenhum jogador e só a vender para equilibrar. É um trabalho difícil e que não é reconhecido.»

À sua desilusão com o deficiente apoio que lhe é dado internamente nem os apanha-bolas escapam porque, alegou, «não podem estar sentados [aos 85  minutos] e ser os jogadores a lançarem as bolas para o campo».  Era só o que lhe faltava, até os miúdos lhe criam problemas, mas deixou uma promessa: «Vou tratar disso.»
 

D EPOIS do empate em Braga, mais declarações de ocasião, mais recados para dentro do que para fora, mais conversa fiada e a dificuldade em reconhecer uma evidência que o jornalista Hugo do Carmo sintetizou em meia dúzia de linhas, em A BOLA, na edição de ontem:

«O ainda campeão nacional  tem várias debilidades.  Falta-lhe classe. A cultura do clube, o espírito guerreiro, disfarçam muitas insuficiências, mas não disfarçam tudo… Falta um Jardel? É verdade, claro. Mas também falta, por exemplo, um Deco, por mais garra e qualidade que Otávio tenha. Jogar com Grujic, Eustaquio ou Gabriel Veron é bem diferente do que jogar com Vitinha [Vítor Ferreira], Fábio Vieira ou Luis Díaz.» Mais palavras para quê?

Ao tentar contrariar a realidade com desculpas que nos fazem recordar os velhos tempos das vitórias morais, em que se jogava melhor mas normalmente se perdia por culpa dos árbitros e do azar, diziam, Sérgio Conceição, sem se dar conta, ora com as suas tiradas inflamadas feitas de frases de que os sócios  gostam, como nunca atirar a toalha ao chão, ora com os seus silêncios a propósito de nada, perde espaço e dá trunfos a quem o quer ver pelas costas, seja quem for, não os jornalistas, garantidamente.

Por outro lado, a eliminação do FC Porto da Liga dos Campeões, ao contrário do que sucedeu com o Benfica e com o Sporting, na Liga Europa, que passou a ser segundo representante  português na UEFA, além de ter sido um choque  para a  família portista pode prenunciar uma mudança de ciclo no futebol  luso.
 

 


GOLOS ESTRANHOS?... 

HÁ uma semana dei conta da minha estranheza  pelo facto de algumas equipas  correrem mais quando defrontam o Benfica. Apontei dois exemplos. Se não correm mais, pelos menos adotam comportamentos peculiares, entendíveis por jogarem com o líder da classificação e que, no universo da indústria do futebol, representa  a maior e mais prestigiada marca portuguesa. Ou seja, ganhar ao Benfica dá prestígio a quem assinar esse feito e só nesse sentido admito e compreendo que os opositores da águia se esforcem mais  do que frente a qualquer outro emblema.

O que percebi mal foi a reação do treinador do Vitória de Guimarães, goleado na recente visita à Luz e que só deu um ar de graça quando os encarnados lho permitiram. Disse que foi uma vitória justa do Benfica, mas por números exagerados. Porquê? «Poderíamos ter baixado as linhas, mas não era isso que queríamos. Por alguma imaturidade cometemos erros, mas assumimos estes riscos. A verdade é que sofremos golos estranhos.»

Alguém explica?...