Será que somos parvos?
Estou ansioso por saber o que pensará a APAF da prestigiante arbitragem do seu Presidente da Assembleia Geral por terras de Espanha
QUAND no sábado passado escrevi sobre o penálti tecnológico inventado pelo ex-árbitro, ora comentador, Duarte Gomes, agarrei a crónica deste sobre a arbitragem do Sporting-Paços de Ferreira pelo lado ridículo do título e em ar de brincadeira o tratei. Porém, não pensem os leitores que comentei tal artigo, iludido pela inocência do seu autor, pois não foi inocentemente que ele escreveu tal artigo e do modo como o escreveu, e as suas crónicas nessa semana e por ocasião do jogo Vitória de Guimarães-Futebol Clube do Porto provam aquilo que estou a afirmar. De resto, inocência, esse nome que traduz a ignorância do mal, pureza, simplicidade ou ingenuidade, é um estado que não existe no mundo da arbitragem, nem, de uma forma geral, nesse mundo obscuro que continua a ser o sistema. E os que não eram inocentes quando arbitravam, continuam a não ser inocentes quando comentam, porque o corporativismo é o mesmo, com o apito na boca ou a caneta na mão. A reforma não lhes retira a solidariedade, nem retirará, a não ser quando a justiça os puna, o que, infelizmente, não tem sido frequente.
Na verdade, além do artigo a meio da semana, ainda inquinado pelo sabor amargo que o penálti (convertido) sobre Paulinho lhe causou, teve a lata, que outra palavra não encontro para manter a educação, de escrever, sob o título de «muito difícil» e o subtítulo de «João Pinheiro é valor seguro mas ontem foi ludibriado duas vezes», analisou o primeiro penálti de Taremi, em comparação com o de Paulinho que lhe continua atravessado na garganta, como uma espinha de que se não consegue libertar, como se fosse o Paulinho o culpado de o seu clube poder não entrar directamente na Liga dos Campeões, segundo a cartilha que vem sendo distribuída aos arautos da Luz, agora mais preocupados com o Vieira que rapou o bigode, para fazer concorrência ao big brother, tal é a indigência intelectual para que o país caminha!...
Com efeito, escreveu um dos comentadores do sistema: «Tal como Paulinho na última jornada, também Taremi percebeu que o guarda-redes ia sair da baliza e iniciou a queda e contacto deliberadamente, sabendo-o inevitável naquela circunstância. Tal como então também ontem não existiu falta. O que houve foi uma simulação, um expediente técnico para ludibriar o árbitro, em lance terrível para ler em campo.»
Comentando esta análise com amigo meu, aliás benfiquista, dizia-me ele que isto não tinha nada a ver com lata, mas com desonestidade intelectual, ao que retorqui, dizendo que mesmo a desonestidade intelectual exige lata e, em consequência, a ordem dos factores é indiferente.
Vejam bem o que escreveu Duarte Gomes: «Taremi percebeu que o guarda-redes ia sair da baliza e iniciou a queda e contacto deliberadamente...», enquanto no caso de Paulinho diz que depois do contacto a queda foi «tardia e teatralizada».
Devemos, pois, registar mais este pensamento lapidar: iniciar a queda antes do contacto ou depois do contacto é a mesma coisa. Aonde chega a cegueira, não tecnológica, mas ideológica ou clubística!
«O senhor Duarte Gomes devia ter vergonha e pedir desculpa aos leitores e, sobretudo, aos sportinguistas»
Mas no caso de Paulinho acabou por concluir que houve falta e houve penálti ao contrário do que diz agora, como que a pedir desculpa ao Futebol Clube de Porto pela análise do lance da semana anterior. Na verdade, se houve causa e efeito, isto é, contacto e queda, embora apenas de percepção televisiva, dentro da área, o que deveria fazer o VAR? Não está ali o VAR exactamente para repor a verdade desportiva que escapou à percepção do árbitro? Para Duarte Gomes a verdade desportiva esteve no árbitro que marcou livre contra o Sporting e mostrou o amarelo a Paulinho. Não basta ter lata, mas é preciso mesmo é muita lata para com uma diferença de apenas oito dias contradizer-se a si próprio.
Eu acho que o senhor Duarte Gomes devia ter vergonha e pedir desculpa aos leitores e, sobretudo, aos sportinguistas. Que já se tenha esquecido do que disse quando Rui Santos inquiriu o país desportivo (e não só) sobre as novas tecnologias aplicadas ao futebol em busca da verdade desportiva ainda aceito porque na altura era politicamente correcto, isto é, tornou-se moda. E admito até que, hoje, não goste do VAR, quando ele reverte uma decisão do árbitro determinada por erro humano, negligente ou doloso. Não discuto esse seu sentimento a que tem todo o direito.
Eu aliás compreendo-os todos: apesar de termos muitas queixas dos árbitros e dos VAR’s, foi a existência destes que nos abriu a possibilidade de voltarmos a ser campeões. Tal como o sorteio daqueles permitiu a interrupção do jejum, no início deste século.
Felizmente, que o VAR veio para ficar, embora precise de se modificar, porque árbitros e árbitros contemporâneos não servem o objectivo, porque eles são maus em ambas as funções!
E ainda diz que não percebeu a intervenção do árbitro no caso do Paulinho. Mas agora não diz que não percebeu a não intervenção do árbitro. A apitar e a comentar, aí sim, são coerentes com a habitual dualidade de critérios conforme a cor da camisola.
Duarte Gomes acusa Paulinho e Taremi de ludibriarem árbitros e VAR’s através de expedientes técnicos. E Duarte Gomes com os penáltis tecnológicos pretende enganar quem?
A arbitragem e a videoarbitragem não vão a lado nenhum com estes protagonistas, e muito menos com um Conselho de Arbitragem, dominado pela APAF com assento na Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol, numa violação, a meu ver, da Lei de Bases.
A propósito de APAF estou ansioso por saber o que pensará da prestigiante arbitragem do seu Presidente da Assembleia Geral por terras de Espanha. Recebi vários comentários, que julgo serem verdadeiros, sendo este, segundo dizem, com origem na Marca, conhecido jornal desportivo espanhol:
«Artur Soares Dias... es um árbitro de futebol de Portugal que pertence a la UEFA. Conocido por facilitar el pase a semifinales de la Europa League al Eintracht de Frankfurt frente al FC Barcelona. Y haciendo um robô impressionante».
E um tal Francesc Aguilar - que não sei quem é - diz assim: «Insisto Artur Soares Dias no me parece um arbitro qualificado para dirigir partidos europeos.» Cheio de inveja, este comentário: as suas arbitragens são das arábias! Para não falar da sua especial propensão para dirigir as AG’s da APAF.
De qualquer forma, cuidado com os comentários, que a APAF não é para brincadeiras e ainda propõe uma greve dos árbitros portugueses às provas europeias. Estou ansioso pela sua reacção, porque ao verde já sei que são alérgicos.
Ontem foi sexta-feira da Paixão, nome de árbitros, nem sempre conhecidos pelas melhores razões. Hoje, é sábado de Aleluia e amanhã domingo de Páscoa, dia da Ressurreição.
Não posso por isso, ao escrever hoje sobre a arbitragem, ou melhor, sobre comentários às arbitragens, de manifestar um lamento pela impossibilidade de Francisco Silva ressuscitar e contar sobre a arbitragem o que me contou a mim e eu pude observar na prática. Faz-me lembrar a história daquele fado, soberbamente cantado pela Lucilia do Carmo, sobre Maria Madalena: daquelas que mais pecou, mas que Jesus tornou numa das santas do céu!
Francisco Silva não foi um inocente e nós não somos ingénuos. Duarte Gomes, às vezes, parece querer fazer de nós parvos!...