Será mesmo uma alteração?

OPINIÃO02.11.201900:11

Qualquer dia dirão que eu sou o maluquinho das assembleias gerais, tal é a minha convicção de que temos de mudar de vida, e o primeiro passo tem de ser, obviamente, uma mudança no órgão onde reside o poder supremo do clube - a Assembleia Geral.  «Na Assembleia Geral, composta pelos sócios efectivos no pleno gozo dos seus direitos, e admitidos como sócios do clube há pelo menos doze meses ininterruptos e que tenham, de acordo com a lei, atingido a maioridade, reside o poder supremo do Clube» - art.º 43º, 1 dos Estatutos do Sporting Clube de Portugal.
Defendo isto desde 2008, e o tempo passado, mais remoto e mais recente, vem-me dando razão, ou melhor, cada vez mais razão. E é tão profunda esta minha convicção que, para ser coerente com ela, deixei de ir às assembleias gerais e, a não ser alterada a sua composição e o seu funcionamento, só voltarei a participar se estiver em risco a continuação de clube ou algo semelhante. É com pena que o digo, pois foi, em 1980, há quase quarenta anos, que tive a primeira intervenção política no Sporting, numa assembleia geral, que tempos mais tarde me levou a uma vice-presidência no executivo, pela decisão e mão de João Rocha! E com mais tristeza ainda pelo facto de ter sido o Presidente da Mesa da Assembleia Geral, entre 2009 e 2011. Não tive felizmente os problemas que hoje se verificam, mas não me retirou a convicção daquilo que já defendia e continuo a defender, estes anos todos passados.
A Assembleia Geral está para o clube como a Assembleia da República está para o País: a Assembleia da República é a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses: a Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal deve ser a assembleia representativa de todos os associados sportinguistas. E é na democracia representativa que acredito, porque todos nós sabemos os resultados da democracia directa.
Mas se é difícil conceber que na Assembleia da República tivessem assento todos os cidadãos portugueses no gozo dos seus direitos políticos, na actualidade, todos temos consciência que não é fácil tratar-se numa assembleia geral, com três, cinco ou cinquenta mil pessoas, de assuntos de transcendente importância para o clube. Hoje, a uma assembleia geral, não se vêm comunicar aquisições de jogadores ou prestar meras informações, mas questões estruturais que têm a ver com o desenvolvimento do clube quando não com a própria sobrevivência da instituição!
Nesta conformidade, defendo hoje, como defendi no Congresso de 2009, como indispensável, que a assembleia geral do Sporting, não seja composta por todos os sócios efectivos do clube - o que aliás os estatutos não exigem - mas que ela seja representativa de todos os sócios, independentemente do local em que residam, seja em Portugal ou no estrangeiro. Tal como os portugueses elegem os deputados que os representam na Assembleia da República, os sócios do Sporting Clube de Portugal devem eleger os seus delegados à Assembleia Geral. Eleitos também segundo o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt, mantendo igualmente a proporção dos votos consoante a antiguidade.
O poder deliberativo e fiscalizador das Direcções não pode ser exercido convenientemente por meia dúzia de pessoas ou por uma multidão, conforme os casos de menor ou maior interesse. Os temas de uma assembleia geral são sempre de interesse e devem ser tratados e discutidos com tempo e ponderação. As assembleias distritais e os congressos dos partidos políticos também não são compostos por todos os filiados ou militantes, mas por delegados dos mesmos. E isto não é por acaso ou por moda.
Sou cada vez mais favorável a que as assembleias gerais só deviam funcionar em plenário para fins eleitorais e referendários, pressupondo estes a introdução do referendo para determinadas deliberações em determinadas circunstâncias.
Há muita gente que se incomoda com esta minha posição, mas é exatamente para incomodar as consciências que escrevo sobre este tema, porque muitos se indignam com o que se passa nas assembleias gerais, mas não se incomodam minimamente para alterar este estado de coisas, porque acham que não é politicamente correcto. Por mim não me importa o politicamente correcto, mas o que, em minha convicção, entendo ser melhor para o clube, que todos dizem estar acima de todos nós, mas, quando chegam as alturas próprias, é posto por baixo dos interesses pessoais. É tempo de acabar a hipocrisia dessa afirmação, sem tradução prática e, portanto, intelectualmente desonesta!...
O povo sportinguista deverá ter consciência que assembleias gerais universais só para eleger os seus representantes ou referendar determinadas deliberações de importância fundamental. Para todas as outras matérias da competência da assembleia geral deverá eleger delegados à mesma assembleia. Sempre sem prejuízo da possibilidade de o Conselho Directivo, a Mesa da Assembleia Geral, uma determinada percentagem de delegados ou um certo número de sócios submeter uma deliberação ou deliberações a uma assembleia geral referendária.
Este é aliás hoje o regime das federações desportivas, em que as assembleias gerais das federações, na impossibilidade de reunirem com todos os clubes, praticantes, treinadores e árbitros, são compostas por delegados que representam aqueles.
Como se pode verificar não estou a inventar nada que a democracia não tenha inventado já. Simplesmente, acredito na democracia e quero-a bem viva no meu clube, pois só a discussão entre nós pode tornar o clube mais forte. Democracia não é falar mais alto. Democracia é, acima de tudo, respeito pelas ideias dos outros, independentemente de com elas não concordar, e lutar por outras, com serenidade e honestidade.
E para terminar lanço um desafio aos juristas, particularmente, aos juristas leoninos: será mesmo uma alteração estatutária ou será apenas uma regulamentação da composição e funcionamento das assembleias gerais?

Três notas finais

Aprimeira para felicitar o nosso diretor-adjunto José Manuel Delgado, meu anfitrião na Quinta d’ A BOLA -um tempo de serão com conversa e reflexão, para mim sempre agradável -pela apresentação do seu livro sobre um tempo que para mim acabou, mas que então começou, e que recomendo seja lido, para constatar, ironicamente, que não aconteceu, mas, se acontecesse, teria acontecido exatamente assim!...
Outra, para homenagear um dirigente do rival Sport Lisboa e Benfica, juntando-me à homenagem que lhe foi prestada pelo seu clube por ocasião de mais um aniversário do Estádio da Luz -Mário Dias. Além da simpatia e afectividade com que sempre me tratou, cativou-me muito pela sua dedicação a uma causa e vontade de a servir. Dirigentes da sua estirpe, mesmo que dos rivais, ficam sempre na minha memória, como referências. Parabéns ao Mário Dias e ao Benfica que lhe manifestou o reconhecimento que lhe é devido!...
Finalmente, para incentivar o meu treinador Silas, que assume, com inteligência, que a prioridade, neste momento, é o resultado. Não fossem os vários despedimentos visando a qualidade e a eficácia, e outro galo cantaria!...