Seninho em mim    

OPINIÃO05.07.202004:00

QUANDO tu  lá nasceste, por 1949, Sá da Bandeira não se chamava Lubango. Reparaste? Fiz o que nunca fizera: tratar-te por tu, como também nunca te tratei por Arsénio Rodrigues Jardim - para mim, foste sempre Seninho, aliás, o Sr. Seninho que o FC Porto descobrira por Angola, de pés em fogo, alados, quase sempre. Ao chamarem-te para a tropa, mandaram-te para o Luso (a minha terra) - e entraste na minha vida. Alçaste o FC Moxico a campeão angolano, tornaste-te meu ídolo, o maior de todos. (Sim, havia o Eusébio, mas ao Eusébio eu só o via pelas fotos das páginas de A BOLA - e, do Eusébio, não tinha, como primeira relíquia da minha vida, a tua camisola n.º 7, a camisola que o meu pai arrematara  no leilão da festa dos campeões - e eu recebi como dádiva divina.)

Semanas antes da revolução de 25 de abril de 1974, regressaste a Portugal. Meses depois, também deixei Angola, mas não a camisola n.º 7 com que jogaras no FC Moxico e,  cá como lá, nos jogos de rua, eu nunca mais deixei de ser Seninho (sobretudo na finta à Seninho em que te imitava). Depois chegou novembro de 1977 - para a Taça das Taças, o FC Porto ganhara ao United por 4-0, antes da partida em Manchester falou-se de  «ameaça de bomba no balneário portista», Pedroto e Pinto da Costa largaram o remoque: «É folclore para nos distrair» - e os dois golos que marcaste nos 5-2 viraram piada: que bomba foste tu. (E foste, nuclear). Emissário do Cosmos que fora a Old Trafford espiolhar Oliveira, encantou-se contigo, ofereceram-te contrato de meio milhão de dólares, nunca tanto se pagara por um português no futebol. Pelé, entusiasmado, telefonou-te a pedir que fosses de imediato para Nova Iorque, sei que lhe respondeste que primeiro terias  de ajudar o FC Porto a ganhar o campeonato ao Benfica  - foi o que aconteceu, o resto é o que se sabe (ou se calhar não se sabe como tu merecias). E estando eu, agora, a olhar para a puída camisola n.º 7 do FC Moxico, caindo sobre ela uma lágrima, o coração garante-me que tu, Seninho, só morrerás quando eu morrer...