Sempre à rasquinha, Portugal
O Irão foi-se com um Carlos Queiroz tão quezilento e agressivo como no final do Itália-Portugal de 1993 («é preciso varrer a porcaria [da federação]!», disparou ele) e do Portugal-Espanha de 2010 («perguntem ao Carlos!», disparou Ronaldo). É uma pena o feitio deste homem. É indiscutivelmente um treinador competente - o Irão fez uma boa campanha - mas está sempre em guerra com alguém. Quem vai pela vida fora com uma pedra no sapato acaba por perder o foco e o norte. O jogo parecia um Benfica-Porto dos anos 90, carregado de eletricidade e manobras subterrâneas. Nesse particular o antigo selecionador nacional não esteve nada bem. Histriónico e teatral, a maneira como tentou incendiar as massas e influenciar as decisões da arbitragem pode ter caído muito bem nos milhões de adeptos iranianos, mas desconfio que a FIFA não achou graça nenhuma à mise en scène. Fernando Santos não achou, como se viu.
Portugal passou à rasquinha. Como de costume. Mas desta vez, ao contrário do que acontecera com Marrocos (em que foi claramente inferior, não teve bola e não merecia ter ganho), a Seleção puxou dos galões e só não enviou Queiroz para casa aos 53 minutos porque Ronaldo falhou o que não costuma falhar - um penalty. Num quadro de normalidade, portanto, a meia hora final teria sido um mero exercício de gestão e o país não teria passado pelo calafrio que passou nos descontos quando o VAR assinalou um penalty mais que duvidoso a Cédric (1-1), logo seguido pela perdida do lateral esquerdo Medhi Taremi, que teve no pé esquerdo a oportunidade de eliminar os campeões da Europa. Não eliminou e ainda bem. Imagino o que teria sido a conferência de Queiroz. Bom. Mais uma vez dobrou-se o Cabo das Tormentas - em 15 fases finais Portugal só ficou pela fase de grupos em três ocasiões: 1986 (México), 2002 (Coreia do Sul) e 2014 (Brasil), um registo excecional! - e Fernando Santos, com aquele esgar de sofrimento, aproveitou para estabelecer dois novos recordes de invencibilidade: Portugal é a primeira seleção europeia a completar 17 jogos consecutivos sem perder em grandes competições, sendo que estes rapazes igualaram também o máximo de jogos competitivos sem derrota (17) que estava na posse de Luiz Filipe Scolari (entre 2004 e 2006).
Máquina de não perder jogos (e de os ganhar à rasquinha…), o exército de Santos enfrenta agora força de calibre semelhante: o Uruguai do veterano Óscar Tabárez, que apurou pela quarta vez a mítica Celeste para os oitavos. Acho que o Uruguai tem muito provavelmente a melhor dupla de centrais (os colchoneros Godín e Gimenez) e de pontas-de-lança do Mundial (Suarez e Cavani, duas forças da natureza). Vamos sofrer imenso, claro, mas…. com o engenheiro é quase impossível perdermos. A sério. O homem não perde. Ao fim deste tempo todo (32 jogos, quase quatro anos) só nos enganaram uma vez - a Suíça. Não voltou a acontecer. Ora isso dá-nos uma serenidade extraordinária no meio de tanto nervo e angústia. Vamos para cada jogo com a certeza de que é dificílimo ganharem-nos. Não é pouco.
A terminar. Não sei se repararam, mas até aqui os nossos adversários tiveram todos um ponto em comum: terem sido parte (total ou parcialmente) do Império Português. Espanha (3-3)? Ceuta primeiro foi nossa, assim como Olivença. Em Marrocos (1-0) conquistámos e mantivemos por largos anos Ceuta, Alcácer-Ceguer, Tânger, Arzila, Mazagão, Safim, Mogador, Aguz e Agadir. No Irão (1-1) ocupámos por mais de um século um porto estratégico no estreito de Ormuz: Porto Comorão [Bandar Abbas para os iranianos]. No Uruguai, bem no Uruguai tivemos tudo! : aquilo que corresponde hoje ao território deste país pertenceu durante cinco anos (1817-1822) ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves sob a designação de Província Cisplatina. A bela Colónia do Sacramento, onde é bem visível o legado português, foi o primeiro assentamento fundado por europeus (nós, claro) no Uruguai. Para quem estiver a fazer contas à França como adversário nos quartos-de-final: sim, também lhes ficámos com alguma coisa, ao tempo do rapinador-mor Napoleão Bonaparte: a sul-americana Guiana teve bandeira portuguesa entre 1809 e 1817.