Sempre a andar, rumo aos duzentos

Sempre a andar, rumo aos duzentos

OPINIÃO23.03.202305:30

Cristiano elogiou Martinez e declarou-se disponível para tudo. Hoje torna-se o mais internacional de sempre — em casa

FOI um Cristiano Ronaldo bastante diferente (em relação aos últimos tempos) aquele que todos ouvimos ontem na conferência de lançamento do Portugal-Liechtenstein. O capitão apresentou-se alegre. Animado. Positivo. De verbo fácil. E mostrou, aqui e ali, uma humildade que não será propriamente - reconheça-se - o seu traço de personalidade mais marcante. Sem nunca mencionar o anterior selecionador, Fernando Santos, Cristiano elogiou a mudança e o clima novo na Seleção («uma energia diferente, uma aura diferente…), a metodologia do novo treinador («…com ele é sempre a andar…»), reconheceu ter aprendido e crescido com as dificuldades recentes e declarou-se disponível para ajudar a equipa nacional em qualquer circunstância.

Foi bom vê-lo animado e esperançoso depois da campanha falhada no Mundial do Catar, para a qual Ronaldo contribuiu negativamente quando transportou para o espaço/ambiente da Seleção o capítulo final do hipermediático braço-de-ferro com o treinador do Manchester United.

Que Cristiano, 38 anos, irá a jogo mais logo com o Liechtenstein é uma quase certeza. O capitão está a um jogo de se tornar o jogador mais internacional de sempre (tem 196 jogos com Portugal, tantos como o avançado Bader Al-Mutawa, do Kuwait, que tem também 38 anos), sendo também, destacado, o maior goleador de sempre (118 golos) no âmbito de selecções. A única dúvida é se será ou não titular, mas do que se ouviu ontem e do que se tem intuído no discurso de Roberto Martínez, é licito supor que o técnico espanhol e o capitão acertaram, de alguma maneira, as bases da continuidade do segundo ao fim de duas décadas a servir a Seleção (sim, parece que foi ontem mas CR7 estreou-se em 2003).

Se foi assim, e concordando com tudo o que o Fernando Urbano - sempre muito lúcido - aqui escreveu ontem sob o título «O novo papel de Ronaldo», aplausos para ambos. Para Roberto Martínez, porque percebe a importância de ter no grupo uma lenda viva do desporto (e ainda um goleador de respeito) como Cristiano. Para Ronaldo porque percebe que o tempo dos 60 golos e 60 jogos por época acabou (e é irrepetível…), não significando isso que não possa continuar a ter uma contribuição importante no espaço da Seleção. Claro que pode, mesmo que a titularidade absoluta não seja já uma condição imperativa. Nem podia ser, com 38 anos de idade e de 1 173 jogos nas pernas.

Com 9 golos em 10 jogos pelo Al Nassr, CR7 parece ter recuperado a alegria perdida no Manchester United, mas vê-se que ainda está longe da sua melhor versão - embora, vendo-o jogar, se perceba que mantém intacto o extraordinário killer instinct que o consagrou como maior goleador de todos os tempos (vai com 828 golos, recorde-se). Como a Seleção tem muito melhores jogadores que o Al Nassr, é natural que Cristiano tenha, na equipa nacional, mais oportunidades de golo do que aquelas que  os colegas lhe arranjam na Liga saudita. Resta saber qual será o modelo de jogo de Martínez e de que forma vai o técnico espanhol gerir a utilização do capitão. No lote dos atacantes convocados, o jovem Gonçalo Ramos é, indiscutivelmente, o que se encontra em melhor momento: tem golo, é forte e destemido e trabalha que se farta. Diogo Jota, a recuperar da longa paragem forçada por lesão, está ainda muito longe do que vale; Rafael Leão, absolutamente irreconhecível!, parece uma caricatura do colosso que na época passada levou o Milan ao scudetto com golos, assistências e slalons memoráveis; João Félix está igual há quatro anos: estagnado. Uma promessa por cumprir.

O Liechtenstein é um adversário acessível (Portugal fez-lhes 35 golos em 7 jogos, à média exata de cinco por jogo) e hoje não deverá ser diferente. Com Alvalade cheio, Cristiano poderá saborear em família o novo recorde de 197; foi precisamente neste estádio que, há perto de 20 anos, ele deu o primeiro passo rumo à imortalidade com uma exibição espantosa no dia da inauguração (7 de agosto de 2003) contra o Manchester United de sir Alex (3-1) que, impressionado, logo tratou de o levar para Inglaterra. Enfim, é justo que o novo recorde mundial seja fixado em Alvalade, onde Cristiano fez 14 jogos por Portugal e marcou nove golos. Ainda longe do desempenho no estádio-talismã do Algarve (16 golos em 11 jogos), mas à beira da dezena que certamente os adeptos farão questão de aplaudir com um carinho especial, se acontecer. 

Dos compagnons de route de CR7 no inesquecível Euro 2016, sobram Rui Patrício, Raphael Guerreiro, João Mário e Danilo. Pepe está lesionado. Renato Sanches, João Moutinho, William Carvalho e José Fonte não foram convocados. Os mágicos Luís Carlos Nani e Ricardo Quaresma são uma saudade. 

O tempo corre. Infelizmente, mais depressa do que as pernas de Cristiano.


ALVALADE: OITO A ZERO

NÃO, não é um palpite sobre a cabazada que previsivelmente aplicaremos mais logo ao simpático Liechtenstein (que, recorde-se, já agora, nos impôs um escandaloso empate, 2-2, no tempo de Scolari). Este oito é outra coisa, outro recorde ao alcance da Seleção - o de número de jogos consecutivos sem sofrer golos num estádio. No caso, Alvalade. Nos últimos sete jogos realizados em casa dos leões, Portugal manteve a baliza a zero. A última seleção a marcar ali foi a França, num particular a 4 setembro de 2015. Os bleus venceram por 1-0 com um golo de Mathieu Valbuena ao minuto 85. Desde então, trancas na baliza. Nunca mais. Se o Liechtenstein, como se espera, terminar a zero, Alvalade iguala o recorde do antigo Estádio da Luz, onde Portugal cumpriu oito jogos seguidos e 868 minutos com a baliza inviolada entre 20 novembro de 1991 (1-0 à Grécia) e 7 outubro de 2000 (1-1 com a Irlanda).

Diga-se que, no lote de estádios construídos para o Euro-2004, Alvalade é pé quente para a Seleção, que ali ganhou 8 dos 11 jogos oficiais disputados (72,7% de vitórias; 30-7 em golos), só perdendo para os cem por cento orgulhosamente exibidos pelo Estádio do Algarve (Faro-Loulé), onde Portugal soma seis vitórias em seis jogos competitivos e um esplêndido parcial de 24-2 em golos.