Semana negra

OPINIÃO10.11.202003:00

1 - Como benfiquista, é-me difícil escrever depois de uma semana, como há muito, muito mesmo, não me lembro. E, com a emoção ainda presente, corro até o risco de ser injusto, mas o futebol é isto mesmo. É o momento dos momentos, por mais que, racionalmente, se queira pensar que não é assim tanto. Estamos muito longe de o campeonato estar em perigo, continuo a acreditar na sua vitória, mas esta ferida pode custar a cicatrizar.

Sou apenas um adepto. O que julgo saber de futebol é o que, durante tantos anos, pude observar e concluir, segundo a minha óptica do que penso não ser uma ciência oculta e só para predestinados. Há aspectos neste Benfica 2020/2021, que deveriam ter sido melhor tratados. Sobretudo o das contratações. Darwin e Waldschmidt são as boas notícias, excelentes jogadores que vão valer bem o custo. Everton, dizem que é um bom jogador, mas, por enquanto, só no Brasil. As posições de defesa-lateral foram deixadas um pouco ao deus-dará, como já vem sendo tradição no meu clube há tantos anos, como se fosse assunto menor entre os maiores. Acresce o azar da lesão grave de André Almeida e a sua substituição por um rapaz brasileiro esforçado, que, por enquanto, não sabe sequer defender. Tenho esperança em Diogo Gonçalves, mas, ainda está, naturalmente, em fase estagiária para uma posição que, no Benfica, tem exigências que não há nas outras equipas. Na esquerda, entre lesões de Grimaldo, há o Nuno Tavares que corre desalmadamente e erra vertiginosamente. Os centrais, sem dúvida, bons jogadores e bons profissionais, carecem da velocidade (tal qual Jardel) numa equipa que joga alto e é sujeita à profundidade dos adversários. Foi pena que os romances sobre a contratação de Rúben Semedo e de Lucas Veríssimo (ambos jogadores rápidos) não tivessem passado disso mesmo. Por fim, o seis. Há o sofrível Weigl, há o irregular Gabriel, há o saudoso Samaris, há até o inconsequente Taarabt, mas verdadeiramente falta um patrão para tal posição. Jorge Jesus sabe melhor do que ninguém o que e quem lhe falta.

Não é preciso ser sapiente ou bruxo para adivinhar como o Benfica se dispõe em campo e como desenvolve o seu jogo. Os adversários, ainda que tantas vezes com sorte, escolhem a pior combinação para o Benfica: fechadinhos atrás, contra-golpes em profundidade e, em complemento, aproveitamento do avanço não compensado dos laterais. Foi assim que se sofreram 9 golos nos últimos 3 jogos, mais 2 contra o Farense e 2 contra os polacos. As excepções foram o Famalicão e o Rio Ave, que pagaram a ousadia de querer jogar de igual para igual e perderam por 1-5 e 0-3.

2 - Ao fim das primeiras 7 jornadas do campeonato, o Sporting segue com mérito no primeiro lugar. Com um treinador que tem sabido aproveitar um plantel muito jovem e globalmente mediano se o comparamos com os dos seus directos rivais. Poder-se-á dizer que a procissão ainda vai no adro e que muita água passará por debaixo da ponte. Há quem se lembre que, no ano passado e por esta altura do campeonato, também o então invicto e excelente primodivisionário Famalicão comandava a competição. No meu entender, para além da coesão da equipa e do minucioso aproveitamento do que melhor tem cada um dos seus intérpretes (mérito total de Rúben Amorim), três factores estarão a contribuir para este início fulgurante da equipa leonina: a vantagem do paradoxo de não estar a jogar na Europa, o jeito como os adversários ainda jogam, de peito aberto e sem autocarros, o que, evidentemente, não fazem com o Benfica e o FCP, e, digamos, o modo quase descontraído, algo lúdico, dos jogadores, tentando passar a ideia de que não têm a obsessão do título. E, é bom não esquecer, em relação à época transacta, a equipa de Alvalade perdeu o craque Bruno Fernandes, que passeia a sua classe por Inglaterra, Wendel, Acuña e Mathieu.

3 - No jogo no Bessa, o Benfica foi justamente derrotado pelos boavisteiros. Sem apelo, nem agravo. Pena o golo de Darwin Núñez que inauguraria o marcador ter sido obtido em fora-de-jogo, pois outro galo teria cantado. Não querendo, de modo algum, tirar o mérito aos axadrezados, que foi melhor táctica, física e mentalmente, sublinho o que já foi realçado nos media: a anormalidade do número de faltas cometidas pelo Boavista. Nos jogos dos axadrezados, verificaram-se os seguintes números de faltas: Nacional (fora) - 21 faltas; Moreirense (fora) - 19 faltas; Guimarães (casa) - 21 faltas; Famalicão (fora) - 20 faltas e até contra o Porto (casa) cometeram apenas 20 faltas. Já contra o Farense no passado domingo fizeram tão-só 15 faltas. Pois, contra o Benfica, superaram em quase 70% a média dos outros 6 encontros: 31 infracções assinaladas! Uma falta em cada 3 minutos de jogo. O SLB, por seu lado, cometeu menos de metade de faltas: 15. E, no entanto, o Boavista teve 3 jogadores com cartão amarelo (e já na parte final, com o resultado consumado…) e o Benfica teve 4 atletas admoestados. É obra! Uma última observação que diz muito do modo como cá se joga, mormente quando o opositor é o Benfica: se considerarmos o total de faltas (31+15=46), e se, em média, cada infracção levar a uma paragem de 30 segundos, quer dizer que, por elas, não se jogaram 23 minutos (24% do total em jogo).

4 - Há um ponto que me faz alguma confusão no futebol altamente profissionalizado e com excelentes condições de apoio aos atletas. Durante 3 semanas, os nossos clubes europeus jogaram duas vezes por semana. E, vai daí, queixas, desculpas e explicações que li e ouvi sobre este período mais concentrado de jogos. Sei que sou leigo no detalhe do que agora escrevo, mas custa-me a perceber como é que equipas como o Benfica ou o Porto podem ter jogadores já exaustos, ainda por cima no início de uma época (sim, estamos a falar em Outubro, não em Abril ou Maio). Profissionais portugueses vão, por exemplo, para a Inglaterra e jogam, sistematicamente, duas vezes por semana e, em certas alturas, três vezes. Nunca os vi queixarem-se disso e nunca ouvi um treinador pôr essa situação em causa ou desculpar-se de um mau resultado por esse motivo. Bem sei que a rotatividade dos onzes é maior do que cá, mas isso não explica tudo. Por isso, um ponto deve ser cada vez mais considerado no início de cada temporada: o das equipas que estão em todas as frentes terem um plantel globalmente equivalente em todas as posições.