Semana 4 - Luís 

OPINIÃO05.04.202002:15

1 - Hoje é Domingo de Ramos. E começa, com alma e sem qualquer proximidade, a Semana Santa. E não ocorrerá, para o bem de todos nós, aquilo que lemos nas escrituras e as indicações de Jesus: «Vai a casa de tal pessoa e no andar de cima, alcatifado, diz ao dono que o Mestre manda preparar a Páscoa!» Na verdade este vírus, em coroa, exige solidão e restrições, renúncia e limitações, isolamento e confinamento. Mas este vírus, em coroa, mostra-nos que utilizamos muitas das armas do século XIX para combater uma pandemia no e do século XXI. A quarentena de ontem é a quarentena de hoje. As máscaras de ontem - que chegavam aos gatos, por exemplo - são, para além das discussões acerca da sua efetiva e permanente utilização -,  as máscaras de hoje. O que temos é, graças a Deus, um muito melhor serviço de saúde, um singular serviço nacional de saúde e, também, outros meios técnicos e fármacos que ajudam a salvar muitos milhares de vidas. A que acrescem as formas e os meios de limitação da propagação do vírus e que nos vão levar a questões como a diminuição da privacidade ou a limitação da liberdade individual. É que os GPS’s aí estão e levam a um conflito entre a saúde comum e a liberdade de cada um. E este conflito, que está ao lado da ética da opção médica quanto à efetiva utilização de um ventilador, leva-nos à essência do tempo. É o que sentimos nestes momentos. O tempo está à nossa disposição para o usarmos mas depois estamos totalmente dependentes dele. Somos amos do tempo e também somos vítimas do tempo. E neste confinamento a que estamos sujeitos temos de ocupar o nosso tempo e ao mesmo tempo deixar passar o tempo! É o que, nesta semana 4, aqui fazemos na linha de Ursula Le Guin (1994): «A narrativa é o único  barco que nos permite navegar pelo rio do tempo!»  Façamos, então, uma viagem por esta semana 4 desta pandemia que nos toca e nos perturba.    

2 - Esta semana a UEFA assumiu que a sua prioridade é «levar as Ligas até ao fim» e terminar as competições  europeias de clubes. E advertiu a Federação belga que não deveria terminar a competição e, decerto, deixou um aviso à vizinha Federação dos Países Baixos. Prorrogou a indicação dos clubes participantes nas próximas competições europeias para o arranque de agosto (numa data ainda não fechada!) e, em articulação com a FIFA, pretende adiar os diferentes e próximos jogos das diferentes seleções nacionais para o próximo mês de setembro. E, num cenário possível, já concretizando o adiamento do Europeu para 2021 e, muito provavelmente, a final four da Liga das Nações para março de 2022 (e não junho de 2021) e, naturalmente, o Mundial no Catar  para novembro/dezembro de 2022. E o Presidente da UEFA adverte, seriamente que, «quer os belgas quer outros que possam imitá-los arriscam a sua participação nas provas europeias» e, bem assim, que «é preferível jogar sem espectadores a não o fazer»! Estão definidas as condições, os parâmetros e as regras para os próximos tempos do futebol europeu. Importa, agora, viajar neste tempo. E o importante deste tempo é que passe. Diríamos que desejavelmente rápido. Mas exigindo-nos esta emergência muita cautela, acrescido cuidado e o devido recato. Que responsavelmente acatamos, ficando em casa!  

3 - Mas estes momentos que vivemos, traumáticos e dramáticos, levarão muitos clubes a múltiplos instantes de agonia, centenas de jogadores e treinadores a reais situações de angústia e, até, os operadores televisivos a opções dolorosas no que respeita a transferências contratuais - e sem que haja jogos efetuados -, podem ajudar a um efetivo saneamento do nosso futebol , seja no que respeita às competições profissionais seja, por exemplo, no que concerne ao principal escalão das competições  ditas não profissionais … mas com centenas de jogadores profissionais. E este saneamento é necessário - diria urgente! - mas só ocorre  em razão  da pandemia e está para além do licenciamento que estava em curso. O que sabemos é que há sociedades participantes em competições profissionais que não cumprem minimamente as suas obrigações e outras construídas para o nosso Campeonato de Portugal cujos líderes desapareceram nas últimas semanas. Seja para a China ou para a Rússia, sem paradeiro conhecido e sem respeito pelo clube/SAD que os acolheu. E, aqui, importa assumir que este saneamento tem de ser efetivo. Não pode haver tolerância para alguns abutres que chegaram a Portugal e que de ditos salvadores se tornaram verdadeiros traidores! Estes já são - ou devem ser - pós história e pós mistério. Sim, pós mistério. Já que em instantes de dificuldade fogem, não resistem. Em momentos de séria angústia abandonam, não dão a mão. Nem sequer dão um dedo, mesmo que o pequeno, de uma mão! E, aqui, o saneamento tem de ser mesmo uma não tranquila revolução. Trata-se, de verdade, de um tempo enterrado . E os exemplos são muitos. De Norte a Sul. E não podemos ser, neste tempo de tempestade, viajantes perdidos num deserto de irresponsabilidade! Não podemos mesmo!

4 - Cada narrativa nestas últimas semanas me leva a um ser que se não repete. Não esqueço nunca nem o resistente Nuno nem o persistente Armando. Mas nesta semana Santa trago-vos o Senhor Luís. Um dos resistentes sapateiros de Lisboa. Sempre disponível e sempre afável. Trata os sapatos com esmero de excelência e com umas verdadeiras mãos de Mestre. Meias solas e saltos, compõe e reconstrói. Os sapatos nas suas mãos - com a colaboração do sorridente do Senhor Manuel - brilham e duram outra eternidade. Ao entrar na sua pequeníssima loja - que é, de verdade, uma loja com história! - fazemos outra viagem no tempo. Ali na 5 de Outubro, bem perto da Maternidade e do Saldanha, há um homem que resiste e uma loja que não desiste. Ali chegamos a Santo Agostinho, que quando questionado acerca do que é o tempo esclarecia que «se ninguém me pergunta , eu sei. Mas se quero explicar a quem me pergunta, não o sei». Eu sei-o bem. E é este Senhor Luís - e os outros, poucos, Luíses que ainda resistem - que aqui hoje cumprimento. Ele que vive dos sapatos que, com sabedoria, recupera e ele que, nestes complexos tempos, não pode ser mais um número, nem um mero exemplo de uma ainda existente micro empresa. Ele merece ajuda e reconhecimento, solidariedade e disponibilidade. Já que o universo rígido é uma, nestes instantes, verdadeira prisão. E só aquele que viaja o tempo, e nos faz viajar no tempo - como o Senhor Luís -, se pode considerar um Homem livre. E merece continuar a ser livre! Um abraço, Senhor Luís. E muita força! E, já agora, muitos parabéns, mesmo que atrasados!