Sem ego não há problema

OPINIÃO15.08.202206:30

«Se não for no Corinthians, será noutro clube qualquer». A frase que terá tocado no ego de cerca de 30 milhões de adeptos

DIZEM os budistas que, sem ego, não há problema. O ego, explicam depois psicólogos e psicanalistas, é aquela coisinha da nossa personalidade que faz a defesa dos nossos atos. Sejam bons, maus ou assim-assim. Todos já tivemos atos bons, maus ou assim-assim. Eu, por exemplo, já escrevi coisas de que agora me arrependo. Mas defendi-as, então, quase até à morte, fruto, lá está, do ego. E quando ele aparece pode haver problema. Podemos achar que valemos x quando valemos apenas uma percentagem ínfima de x ou então, valendo nós y, achamos que valemos apenas uma partezinha de y.
 

DIZ depois o bom senso que, havendo ego, o melhor é tentarmos dominá-lo o melhor possível, sendo que é impossível dominá-lo na totalidade. Foi o que aconteceu, presumo eu, a Vítor Pereira, quando respondeu a uma pergunta óbvia, mas talvez não muito bem formulada. Com o Corinthians eliminado do Campeonato Paulista, da Taça dos Libertadores e a nove pontos do líder Palmeiras no Brasileirão, um jornalista perguntou-lhe, depois de perder em casa por 0-1 precisamente frente ao verdão: «Tem medo de ser despedido, de perder o emprego?» A resposta, quanto a mim, surgiu insuflada pelo ego: «Deve estar a brincar comigo com essa pergunta. Eu, nesta fase da minha vida, da minha carreira, ter medo de perder o emprego? Sabe quanto dinheiro tenho no banco, amigo? Tenho a vida estabilizada, não preciso... Estou aqui no Corinthians, se não for no Corinthians é noutro clube qualquer. E quando eu quiser.»
 

Oego fez com que Vítor Pereira levasse a pergunta para o lado financeiro. Não era essa, imagino eu, a ideia do jornalista. Após quatro maus resultados (dupla derrota com o Flamengo, empate com o Avaí e derrota com o Palmeiras), torna-se óbvio que qualquer treinador, sobretudo no Brasil, corre riscos de ser chicoteado. O dinheiro, já se sabia, não é agora muito importante para Vítor Pereira. O problema, quanto a mim, foi a alusão a que, se não for no Corinthians, terá emprego noutro clube qualquer. Aí, terá tocado no ego de cerca de 30 milhões de adeptos (coisa pouca: três vezes os habitantes de Portugal!). Entretanto, Vítor Pereira corrigiu a frase (e o ego) a João Almeida Moreira, como é noticiado na página 24. Ainda bem. 
 

POR falar em ego, falemos de uma pessoa que, por tudo aquilo que já conquistou (fama, troféus e dinheiro), tem direito a ter ego superinchado: Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro. Quase 500 milhões de seguidores no Instagram, só lhe falta ser campeão do Mundo pela Seleção Nacional e tem uma conta bancária, essa sim, com muitos números antes do cifrão. Há, no futebol português dos últimos 60 anos, cinco grandes eras: a de Eusébio (mais Costa Pereira, Mário João, Germano, Ângelo, Cavém, Cruz, Coluna, José Augusto, Águas, Simões, Torres, Vicente, Germano, Peres, Jaime Graça, Damas ou Hilário), a de Chalana (mais Bento, Humberto, Toni, Shéu, Vítor Martins, Nené, Carlos Manuel, Diamantino, Alves, Jordão, Oliveira, Manuel Fernandes, Gomes, Futre, Frasco, Pacheco, Magalhães ou Sousa), a de Futre (Rui Barros, Paneira, Rui Águas, Domingos, Neno, Oceano, Carlos Xavier, Cadete, Semedo ou Litos), a de Figo (Rui Costa, Peixe, Baía, Fernando Couto, Jorge Costa, João Vieira Pinto, Sá Pinto, Pedro Barbosa, Paulo Sousa, Sérgio Conceição, Maniche, Costinha, Pauleta, Capucho, Nuno Gomes, Ricardo, Paulo Bento, Petit, Simão, Ricardo Carvalho ou Deco) e a de Ronaldo (2006 até 2022). Talvez seja de novo o meu ego a distorcer-me o pensamento, mas não custava nada ao ego do líder absoluto desta última geração ter colocado nas suas redes sociais uma pequena homenagem a Fernando Albino de Sousa Chalana. Daria ao pequeno genial a dimensão planetária que o seu talento e a sua humildade bem mereciam. Seriam 500 milhões de pessoas a falar de Chalana.
 

TANTO se pode ter ego inchado aos 54 anos (como Vítor Pereira), aos 37 (Ronaldo) como aos 23 (Mbappé). O que o francês fez a Vitinha e, por extensão, ao PSG, desligando-se de jogada apenas e só porque o ex-FC Porto não lhe passou a bola, pode ser sido somente um mau momento. Mas foi muito feio. Sobretudo porque, na análise do meu ego potencialmente distorcido, o ego de Mbappé está a comportar-se como o de alguém que se julga superior a todos.
 

Oego dos sportinguistas fê-los distorcer a valia do empate em Braga. Após terem visto a dificuldade com que o Benfica bateu o Casa Pia e o FC Porto ganhou ao Vizela, talvez fosse melhor redimensionarem o ponto trazido da Pedreira. Lá está: sem ego não há problema.