Seleção com ideias erradas
A dupla Danilo-William Carvalho, completamente fora de prazo, ruiu por si e a titularidade de João Moutinho foi um absurdo na época atual
Éa primeira vez que escrevo sobre a participação de Portugal no Euro-2020 e corroboro a opinião de José Manuel Delgado, ontem expressa em A BOLA, que coloca a Seleção lusa no patamar onde só cabem as melhores do Mundo, embora às vezes se comporte como se fosse das piores, uma fraqueza que este campeonato destapou e que deve ser tema de reflexão porque o Mundial de 2022 é para ganhar, palavra de Fernando Santos
Promete o selecionador e nós acreditamos, ou, pelo menos, fazemos um esforço, apesar desta eliminação ter sido um choque violento e ter provocado uma desilusão profunda que vai demorar a passar. Porquê? Pela razão simples de haver uma opinião generalizada de que Portugal não fez o que podia e devia, tendo rubricado uma presença globalmente suficiente menos. Pode argumentar-se que defrontámos os adversários de que todos queriam fugir, Alemanha e França, mas esse azar não explica tudo, porque diante dos franceses a nossa resposta foi muito convincente e o empate final, resultado que fica registado para sempre, é tradutor disso mesmo, de um nivelamento de valores previsível e exigível quando se defrontam, em qualquer circunstância, os campeões do Mundo e da Europa.
O futebol é dinâmico, irrequieto, em constante evolução, à descoberta de novas fórmulas mágicas de sucesso, por isso, do meu ponto de vista, foi um erro Fernando Santos olhar para a seleção de 2021 como se estivesse a ver a de 2016. Passaram cinco anos, é muito tempo, corresponde mais ou menos a um ciclo competitivo, segundo os especialistas. Entraram jogadores, mais jovens e com outras ambições, e os sobreviventes de Paris envelheceram, estão diferentes, o que não quer dizer que não estejam para competir ao mais alto nível. O que está em causa é o selecionador ignorar essa evidência, recusar a mudança ou não querer ferir os seus princípios de jogo, seja o que for.
Fernando Santos e João Moutinho
C RISTIANO RONALDO é um caso à parte, mas aos restantes deve ser dada uma igualdade de oportunidades e privilegiar-se o mérito, sendo legítimo, porém, que o selecionador valorize a experiência dos mais velhos desde que não feche a porta à irreverência dos mais novos. Aliás, creio ser este conflito de interesses que Fernando Santos geriu mal no Europeu, ficando a ideia de que foi mudando por obrigação e não por convicção:
1 - A insistência na dupla Danilo-William Carvalho foi inadequada, desajustada e completamente fora de prazo. Ruiu por si, por não ter sentido aquela tática do quadrado, como em Aljubarrota, colocando dois postes à frente da dupla de centrais: com a Hungria revelou-se um devaneio de equipa pequena e com a Alemanha foi uma tragédia.
2- A titularidade de João Moutinho foi um absurdo na época atual. Não é embirração minha, mas existe gente igualmente capaz e com mais futuro. A propósito, recordo o que o jornalista espanhol Santiago Segurola escreveu, em 2016, no DN: «Aos olhos dos aficionados havia mais razões para acreditar na geração de Moutinho, Veloso, Coentrão e companhia (…) Aqueles futebolistas pareciam perfeitos para alcançar o êxito com Cristiano Ronaldo, mas nunca o demonstraram.» Cinco anos depois, admite-se a sua utilização em casos pontuais e de curta duração, mais do que isso é atrasar a revolução necessária.
3 - A vergonha por que foi preciso passar para dar palco a Renato Sanches e a João Palhinha e a libertar Bruno Fernandes do sacrifício a que foi sujeito por força de opções estratégicas abstrusas que lhe tiraram alegria.
Este Europeu acentuou também um mistério que se arrasta e para o qual o selecionador ainda não enxergou remédio: o repetido sub-rendimento de Bernardo Silva, um jogador de duas caras, a que tem no Manchester City e a que mostra ao serviço da Seleção, manifestamente mais feia. É um problema identificado e discutido, mas até hoje não resolvido. Não contesto os predicados do jogador, foco-me unicamente no seu trabalho, que foi mau. Passou completamente ao lado da prova. Diogo Jota também andou a fazer de conta, mas, mesmo assim, uns furos acima. O que me intriga é a insistência em ambos como se não houvesse mais ninguém para apoiar Cristiano Ronaldo, como se não fosse possível formar uma equipa sem eles.
SE a última imagem é aquela que as pessoas mais demoradamente retêm, é caso para dizer que os portugueses vão continuar a encontrar motivos para se sentirem orgulhosos da sua Seleção e dos seus jogadores em resultado de soberbos 35 minutos finais no jogo com a Bélgica, aí, sim, período em que foram melhores e dominadores.
Não me venham com os desculpas do passado, nem com as lamechices do costume, porque da nossa ineficácia rematadora não têm os oponentes culpa. Nem se responsabilize Rui Patrício pelo golo sofrido, destaque-se, antes, a genialidade do pontapé de Thorgan Hazard.
No resto, quero acreditar que esta segunda parte de Portugal seja a ponte que nos vai ligar ao Mundial do próximo ano, no Catar. Temos uma das melhores seleções do Mundo, só é preciso que Fernando Santos esqueça 2016 e reconheça que deve adaptar as suas ideias, as suas estratégias e as suas táticas à realidade de 2022.